domingo, 9 de outubro de 2011

(1) POLITICA NACIONAL DDHH


POLÍTICA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – FORMULAÇÃO E PLANEJAMENTO

SUBSIDIOS PARA DEBATE PELA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA SOBRE OS PROJETOS DE RESOLUÇÃO DO CONANDA, A RESPEITO DO TEMA

O presente texto foi elaborado em 2010 por solicitação do Secretariado Nacional do Forum DCA (Brasília - DF), ao Autor, quando da discussão - em seminarios regionais, dos projetos de formulação da Politica Nacional de Direitos Humanos para a Criança e o Adolescente e quando da discussão do respectivo Plano Decenal, antes da aprovação desses dois instrumentos normativos pelo CONANDA. As posições sustentadas neste texto refletem a posição pessoal do Autor como consultor ad hoc, sem que necessariamente coincidam com as posições do Fórum Nacional DCA.



INTRODUÇÃO: UMA IMPRESCINDÍVEL JUSTIFICATIVA

Análise do contexto social

Como justificativa para a formulação de uma política dos direitos humanos de crianças e adolescentes e para o seu consequente planejamento, é imprescindível uma análise do contexto social sobre o qual essa política e seu plano vão incidir.

Para a elaboração desse bloco introdutório de “justificativa”, no plano decenal em discussão no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA, a sociedade deve lutar para que tal bloco se firme o mais fielmente possível nos dados, nas informações, nas análises e nas avaliações constantes do último Relatório Alternativo da Coalizão da Sociedade Civil Brasileira[1] (ANCED-DCI, Fórum Nacional DCA et alii), a ser apresentado futuramente ao Comitê dos Direitos da Criança da ON, a se fazer as necessárias atualizações.

Não é possível formular-se uma determinada política pública (como no caso a de Direitos Humanos em geral e a de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente especificamente) e a sua conseqüente planificação sem um texto introdutório que descreva e explique o atual contexto social. Este texto servirá de chave hermenêutica[2] para o entendimento do quanto consta na futura Política de Direitos Humanos Infanto-Adolescente e do seu Plano Decenal, quando formulados. Seria de péssima técnica normativa elaborar-se tal parametrização/formulação e tal planificação, sem que se o faça precedido de uma análise do contexto social que o justifique, aos moldes dos demais planos que foram aprovados pelo CONANDA, até hoje[3].

Por sua vez, especificamente, a sociedade civil organizada, enquanto partícipe do Estado ampliado[4], tem o direito e a obrigação de advogar junto ao governo[5] - no espaço paritário do CONANDA – que a sua análise de contexto, contida naquele Relatório Alternativo último, acima citado, seja considerada, quando da construção do imprescindível texto justificatório do plano decenal, no processo de formulação dessa Política de Direitos Humanos especializada.  Como não existe ainda aprovado e divulgado o Relatório do País, de responsabilidade do Governo Federal, a ser apresentado ainda que tardiamente àquele órgão das Nações Unidas - esta parece ser a solução viável, especialmente por proposta do Fórum Nacional DCA, em nome de uma parte considerável e respeitada, tradicionalmente, da sociedade civil organizada.

Aqui, com este texto, não se pretende substituir aquele Relatório Alternativo e sim propor aos militantes do movimento social e em especial aos integrantes do Fórum Nacional DCA (e seus homólogos locais), alguns indicadores de análise, a partir de determinados marcos teóricos referenciais que se apresenta de maneira sucinta.

Em verdade, este texto, neste capítulo inicial sobre o CONTEXTO, pretende explicitar com maior visibilidade a “visão social de mundo[6] de boa parte das expressões organizativas do movimento social citadas acima, como bandeira mobilizatória da opinião pública e sensibilizadora de determinados atores sociais, como face identitária da sua luta.

A partir dessa perspectiva libertária e transformadora da realidade, isto é, dessa específica visão social de mundo - este texto explicita e indica, além do mais, determinadas categorias de análises construídas por determinados autores em suas obras exponenciais, com especial destaque para Marx, Lukács, Gramsci, Luxenburg, Goldmann, Marcuse, Althusser, Lowi, Arendt, Lebvreve, Heller, Souza Santos, José Paulo Neto e outros citados no decorrer deste capítulo introdutório, com suas referências bibliográficas indicadas.  

Novo direito e novas políticas, ambos de caráter transformador e emancipatório, engajados e comprometidos com os interesses, necessidades e desejos da classe trabalhadora e dos grupos vulnerabilizados (mulheres, negros, adolescentes etc.), a partir de uma visão social de mundo, igualmente engajada e comprometida

Novos discursos científicos e normativo-jurídicos, antes de qualquer coisa, precisam ser pensados e explicitados. E novas práticas sociais e políticas decorrentes precisam ser formuladas e desenvolvidas. Ambos, a partir da perspectiva das necessidades, dos interesses e dos desejos da classe trabalhadora e de determinados segmentos sociais especialmente vulnerabilizados em função da sua diversidade identitária[7].

E, por cauda disso, é necessário, que o pensamento científico e as práticas sociais e políticas respondam de maneira revolucionária, transformadora e libertária a todo um contexto social de negação da essencialidade humana de crianças e adolescentes, principalmente via (A) processos perversos da globalização, ancorados na (a) cotidianidade alienadora, na (b) subalternização sócio-econômica, nas (c) desigualdades e iniqüidades. Num contexto social, além do mais, de (B) desrespeito à diversidade identitária de cada um.

É necessário que - através das ciências, das artes, da moral, do trabalho criador - se faça “suspender a heterogeneidade da vida cotidiana” (ou “alienação na cotidianidade”) [8], onde estão submersos e anulados esses oprimidos todos, como meros espectadores da vida; levando-se a um processo irreversível de transformação desses oprimidos e dominados, em verdadeiros sujeitos históricos conscientes[9] e por fim levando a um processo de anulação da “reificação[10] do cotidiano” das relações sociais, entre indivíduos[11] e a uma práxis revolucionária, libertária, através ações emancipadoras e protoganizadoras da classe trabalhadora e dos grupos vulnerabilizados.

Toda tentativa de fazer tudo isso com base em uma pretensa neutralidade axiológica ou de uma neutralidade ideológico-política deve ser rechaçada: é preciso pensar e atuar a partir de um compromisso com certos paradigmas, princípios e valores e com uma determinada luta. Essa opção de luta pela transformação é uma das opções políticas que se pode escolher (ou não!), em função de uma preliminar e determinada “visão social de mundo[12]. Ou seja, de uma determinada forma de analisar a conjuntura, tendo como base e justificativa uma utopia emancipatória/libertária[13]. Mas também se pode optar por outra qualquer forma de analisar a conjuntura, tendo como base uma ideologia autoritária e conservadora.

A partir dessa perspectiva transformadora/emancipatória e revolucionária, posta acima, isto é, a partir de uma determinada visão social de mundo - nossa reflexão teórica e nossa prática de ação (histórico-política) deveriam buscar, na atual conjuntura, apoio estratégico na teoria ou doutrina jus-humanista[14], para construírem, tanto uma teoria geral dos direitos fundamentais e seu correspondente ordenamento jurídico[15], quanto uma política de direitos humanos (específica!), em favor da criança e do adolescente.

E ali nessa doutrina deverão ambos buscar (direito e política), seus paradigmas ético-políticos, seus princípios jurídicos, seus parâmetros, suas diretrizes gerais, suas estratégias, seus objetivos, suas metas, seus mecanismos de mensuração e avaliação de processos/resultados/impactos, seus responsáveis/parceiros/aliados, seus modelos de gestão e financiamento: toda uma formulação e um planejamento (estratégico situacional), elaborados a partir dessas questões preliminares, aqui postas. Ou seja, uma política formulada e um plano elaborado, não como meros documentos tecno-burocráticos.

UM CONTEXTO SOCIAL, MARCADO PELA ALIENAÇÃO NO COTIDIANO, PELOS PROCESSOS DE SUBALTERNIZAÇÃO E PELAS DESIGUALDADES NASCIDOS AMBOS DO MODELO CAPITALISTA E PELA DOMINAÇÃO ADULTOCÊNTRICA

Generalidades sobre o contexto social e político-institucional: a efetividade e a eficácia do Direito e da Política dependem do levantado e avaliado na análise dessa situação conjuntural e estrutural

A definição de uma política de direitos humanos da criança e do adolescente (específica!) e seu decorrente planejamento decenal dependem desse modo preliminarmente de uma análise da situação, ou seja, dependem do contexto social sobre o qual ela vai incidir; oportunidade na qual se levantará, analisará e avaliará o quadro multidimensional das relações geracionais, como condicionante desse trabalho de definição/formulação/planejamento citado.

Sendo assim, há que se concluir que essa política pública institucional[16] - para uma maior ou menor efetividade, eficácia e eficiência na sua operacionalização - dependerá de sua capacidade de responder a esse contexto social marcado pela globalização pela desrespeito à identidade, que se manifestam através das seguintes condicionantes: e portanto:
(1) a alienação das pessoas na heterogeneidade do cotidiano;
(2) os processos perversos de subalternização da classe trabalhadora e das franjas vulnerabilizadas própria do regime capitalista;
(3) as decorrentes desigualdades e iniqüidades; e finalmente,
(4) os específicos processos de dominação adultocêntrica.

Esta é a primeira constatação e inicial indicativo que aqui se propõe, no momento em que a sociedade civil organizada[17] (através das entidades sociais e dos seus militantes, articuladas no Fórum Nacional DCA e seus homólogos locais, por exemplo) pretende discutir previamente a formulação/planejamento da política de garantia, promoção e proteção direitos humanos infanto-adolescentes, a ser feita pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA; em consonância com o Programa Nacional de Direitos Humanos (III), recentemente formulado como política de Estado e depois aprovado, em parte, por decreto presidencial como política de governo[18], em conta as limitações da atual conjuntura político-institucional.

Levantando e avaliando uma realidade perversa e perversora: análise do contexto social, a partir dos índices de subalternização, desigualdade/iniqüidade e dominação adultocêntrica

Em uma visita aos dados e informações totalizados, a partir das fontes primárias de dados e informações, três fatores tendenciais se destacam e justificam que se priorize o enfrentamento desses fatores citados, na formulação/planejamento da política de garantia, promoção e proteção dos direitos (humanos) em favor da infância e adolescência e na formulação/planejamento da política de acesso à Justiça.

Tanto no tocante às ações das políticas públicas minimamente nas áreas da saúde, educação, assistência social, da cultura, segurança pública, relações exteriores, direitos humanos e planejamento/orçamentação, quanto no tocante às ações para garantir e qualificar acesso à Justiça - todos os processos de levantamento e análise de dados e informações passam a ter mais sentido e mais efetividade se colocarmos eles todos confrontados com os específicos dados e informações, a respeito dos altos níveis de dominação adultocêntrica (especialmente no marco da iniqüidade e da desigualdade social, econômica, cultural e jurídica), que marcam e condicionam essas ações públicas de garantia, promoção e proteção dos direitos fundamentais infanto-adolescentes.

Quadro esse que se desvela com mais clareza, quando se analisa a situação das políticas públicas e do acesso à Justiça no âmbito do poder local, do território dos municípios, isto é, num espaço político mais próximo de quem depende dessas ações públicas, de quem mais sofre pela ausência de ações do Poder Público ou pela falta de eficiência, eficácia e efetividade na operacionalização dessas ações públicas contidas no seio das políticas de Estado e pela falta de efetividade e qualidade no acesso à Justiça.

Desigualdades

Disseque-se brevemente esse quadro: com mais de 183 milhões de pessoas, o Brasil é o quinto país mais populoso do mundo e a 10ª economia. Mas, igualmente é um dos países mais desiguais da Terra, ocupando a 92ª distribuição do PIB per capita e a 69ª posição no ranking do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Dados do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) informam que o País é o 10º mais desigual numa lista com 126 países e territórios, à frente apenas de Colômbia, Bolívia, Haiti e cinco países da África Sub-Saariana[19]. Além disso, em apenas oito países os 10% mais ricos da população se apropriam de uma fatia da renda nacional maior que a dos ricos brasileiros. No Brasil, eles ficam com 45,8% da renda, menos que no Chile (47%), Colômbia (46,9), Haiti (47,7), Lesoto (48,3%), Botsuana (56,6%), Suazilândia (50,2%), Namíbia (64,5%) e República Centro-Africana (47,7%). Os pobres brasileiros detêm apenas 0,8% da renda, fatia superior à dos pobres de Colômbia, El Salvador e Botsuana (0,7%), Paraguai (0,6%), e Namíbia, Serra Leoa e Lesoto (0,5%).

A comparação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres mostra que, no Brasil, a fatia da renda obtida pelo quinto mais rico da população (62,1%) é quase 24 vezes maior do que a fatia de renda do quinto mais pobre (2,6%. Preliminarmente, é de se reconhecer que a pobreza é o maior sinal dessa desigualdade, dessa falta de equidade. Ela é a primeira grande violação de direitos fundamentais e o maior filtro obstaculizador para o acesso com sucesso às políticas públicas e à Justiça, nos municípios, principalmente, vez que os mecanismos de proteção social em todas as políticas sociais básicas, na ponta do atendimento público, são incapazes de garantir direitos aos milhões de crianças e famílias em situação de vulnerabilidade econômica.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em quase metade (48,9%) das famílias brasileiras há crianças e adolescentes com até 14 anos de idade. Basta assinalar que o percentual de famílias consideradas pobres (com rendimento mensal per capita de até ½ salário mínimo) é de 25,1% em relação ao total das famílias no País, mas chega a 40,4% entre as famílias com crianças de 0 a 14 anos. Quando se consideram apenas as famílias com crianças na faixa de 0 a 6 anos, o percentual é ainda mais alto: 45,4%”[20] , ou seja, as famílias com filhos nesta faixa etária são mais pobres. Contudo, além da pobreza, a desigualdade tem outras dimensões, outras condicionantes e limitações para a ação pública.

De nada adianta falar-se em redução da mortalidade infantil, da evasão escolar no país, se não se dissecar esses dados para se constatar que essa redução ocorre por exemplos em níveis maiores em municípios da Região Sul, que os dados referentes ao aumento da mortalidade por morte violenta (homicídio, por exemplo) referem-se muito mais a municípios da Região Nordeste e que a Região Norte tem os piores índices no implemento das políticas públicas e no acesso à Justiça. A desigualdade tem diferentes dimensões regionais, geográficas. Como exemplo, tome-se a diferença do percentual de famílias com crianças e adolescentes de até 14 anos que vivem em situação de pobreza no Sul (26,5%) e no Nordeste (63,1%), ou seja, além de ser nacionalmente desigual, o Brasil tem disparidades regionais que chegam a quase 40 pontos percentuais.

A mesma coisa se diga que a exploração e a violência têm raça/cor e etnia no Brasil, atingindo de maneira massiva e sistemática a população indígena e afro-descendente. E mais, igualmente, assim atingindo pessoas com deficiências, LGBTT, crianças, adolescentes e jovens, idosos e mulheres. Essas são varáveis importantíssimas na análise desses dados e informações, igualmente. Ai, de quem nasce pobre, ribeirinho amazônico, mulher, adolescente, afro-descendente, lésbica, pessoa com deficiência, por exemplo, nos municípios deste Brasil.

A desigualdade tem como condicionante o fator cor/raça. Em 2005, o Relatório de Desenvolvimento Humano do Brasil (PNUD) focou as desigualdades étnico-raciais. De acordo com este documento, “se brancos e negros formassem um país à parte, a distância entre eles seria de 61 posições”. A população branca teria IDH alto (0,814) e ficaria na 44ª posição no ranking mundial – semelhante à da Costa Rica e superior à da Croácia. Já a população negra (pretos e pardos) teria IDH médio (0,703) e ficaria em 105º lugar, equivalente ao de El Salvador e pior que o do Paraguai”[21] No Brasil, a despesa média mensal familiar das famílias onde a pessoa de referência se declarou branca (R$2.262,24) chega a quase o dobro das que se declararam negras (cerca de R$1.230,00), em uma inconteste demonstração da inter-seccionalidade de raça e classe social[22]. Ao todo são 9,5 milhões de crianças de até três anos fora das creches e 2,2 milhões entre quatro e seis anos que não estão na pré-escola; do total de crianças de quatro a seis anos fora da escola 58% são negras, o que corresponde a 1,3 milhão de crianças.

A formulação de uma política de garantia, promoção e proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes deve levar em conta esse quadro para colocar como sua missão finalistica o desvelamento dele e seu enfretamento. Além do mais tal quadro de subalternização, desigualdades e dominação adultocêntrica será importante no priorizar as estratégias para cumprir essa missão e os seus objetivos decorrentes; igualmente será imprescindível no definir responsáveis, parceiros nos objetivos e aliados nas estratégias, ao buscar alianças com os que sofrem igual processo de subalternização e desigualdades: mulheres, negros, povos indígenas, segmentos populacionais tradicionais (ciganos, quilombolas, ribeirinhos amazônicos etc.), minorias eróticas, pessoas com deficiência – por exemplo.

O adultocentrismo[23] e as lutas contra-hegemônicas, emancipatórias, transformadoras e afirmativas de relação à essencialidade humana e à diversidade identitária geracional de crianças e adolescentes: um movimento contra o adultocentrismo e contra todas as demais formas de dominação hegemônica.

Na maioria das sociedades, as diferenças biológicas entre crianças/adolescentes e adultos justificam e legitimam desigualdades, no que diz respeito ao poder atribuído aos adultos sobre crianças / adolescentes. Isso se reconhecerá como uma cultura popular e institucional adultocêntrica, onde se estabelecem relações de discriminação, negligência, exploração e violência, isto é, de dominação sobre crianças e adolescentes, num claro (mas raramente reconhecido) processo de hegemonia social, cultural, econômica e jurídica do mundo adulto, em detrimento do mundo infanto-adolescente.

Hegemonização adultocêntrica que repete o androcentrismo patriarcal-machista, o etnocentrismo racista, a homofobia sexista, por exemplo. Um adultocentrismo que reforça essas formas outras de dominação majoritária e a elas se alia, se acumplicia.

A tarefa básica dos movimentos sociais e de suas expressões organizativas[24], nos últimos tempos, no Brasil, tem sido a de procurar incidir sobre o Estado e sobre a sociedade de modo geral, no sentido da deflagração e construção de um processo “transformante-revolucionante”, emancipatório, contra-hegemônico (social, cultural, político, econômico e jurídico), atuando nas brechas dos blocos hegemônicos capitalista, adultocêntrico, androcêntrico, etnocêntrico, homofóbico etc.

Uma incidência que procura fazer com que o Estado e a Sociedade abandonem, cada vez mais, aquela linha tradicional alienadora e meramente filantrópico-caritativa, no caso de crianças, adolescentes, jovens e idosos, na qual as suas ações se configuravam como uma benesse ou favor do mundo adulto, apaziguando consciências e legitimando o higienismo dominante – uma linha castradoramente "tutelar", portanto, adultocêntrica.

Por sua vez, nascendo desses movimentos sociais e a eles vinculados (ou por eles influenciados), surgiram determinados movimentos conjunturais de luta, por exemplo, em favor de uma nova normativa internacional e nacional de caráter emancipador e transformador, que pudesse ser considerada uma aliada política no processo maior de lutas dos movimentos sociais em tal luta conjuntural específica por um novo Direito e por uma decorrente e nova Política. Mas é importante que se reconheça também que nem sempre todos os segmentos ou blocos de certos movimentos conjunturais estão aliados aos verdadeiros movimentos sociais e são orgânicos de relação a estes. Na verdade estão alguns blocos aliados (mesmo que sub-repticiamente) aos grupos hegemônicos capitalistas, adultocêntricos, por exemplo.

Nesse contexto de aliançamento de movimentos conjunturais com os movimentos sociais, estão os esforços de vários e determinados movimentos conjunturais históricos pela inclusão dos arts. 227 e 228 na Constituição Federal de 1988, pela ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança e pela aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos em 1990. E se espera, no momento atual, que igual processo se repita, com um renovado movimento conjuntural, legítimo e aliançado com os movimentos sociais, pela formulação e planejamento de uma política específica que dê conta da efetividade social e eficácia jurídica do novo Direito, ou seja, a Política Nacional de Garantia, Promoção e Proteção dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.

Essa luta transformadora e emancipadora, por um novo Direito e por uma nova Política, ambos em favor da infância/adolescência, precisa ser feita como parte da “incidência-em-combate[25], mais ampla, dos movimentos sociais na luta dos trabalhadores e dos citados grupos vulnerabilizados e marginalizados (em especial, oprimidos, discriminados, negligenciados, explorados, violentados[26]), para o enfrentamento da questão social, em sua radicalidade.

Contudo, nesse contexto maior, a luta dos movimentos por direitos infanto-adolescentes ainda se faz em nível um tanto incipiente, se compararmos, por exemplo, com aquela outra pelo fortalecimento da identidade feminina, pela emancipação radical da mulher e pela construção de uma nova masculinidade - a democratização das relações de gênero.  Ou se compararmos com luta semelhante contra todas as formas odiosas de discriminação e violência a que são submetidas as populações negras ou indígenas, as minorias eróticas[27] e outros segmentos sociais vulnerabilizados, no Brasil e no resto do mundo.

As mulheres, os negros, os índios e os homossexuais, por exemplo - eles próprios sofrendo na própria pele a dominação e opressão - se organizaram e construíram discursos e práticas alternativas de radicalidade, com indiscutível efetividade e capacidade de alteridade e de transformação, como processo contra-hegemônico.

Eles todos citados partiram inicialmente do reconhecimento do antagonismo intrínseco com os blocos hegemônicos, capitalista, machista, racista e homofóbico, p.ex.. O fato dos nossos movimentos conjunturais por direitos e suas expressões organizativas, envolvidos nessas lutas emancipatórias, combaterem pela sobrevivência de sua essencialidade humana e identidade própria, isso faz realmente diferença, quando se coteja com o discurso e prática (mesmo os mais progressistas...) de alguns movimentos e organizações que lutam pela infância e pela adolescência, ainda eivados de certo paternalismo sub-reptício.

Normalmente, é a partir de dentro do próprio bloco hegemônico adultocêntrico que a luta pelos direitos da criança e do adolescente se faz, com um discurso crítico e uma prática engajada e conscientizadora: compromisso, solidariedade e cuidado. São adultos que tentam fazer sobrelevar em si mesmo seus interesses e desejos de bloco majoritário dominante, para se comprometerem com os interesses e desejos dos oprimidos, com o empoderamento ou potencialização estratégica[28] de crianças e adolescentes, para sua emancipação, para se tornarem sujeitos da História – reconhecendo e tolerando[29] sua "face" identitária (de classe, geração, gênero, sexualidade, raça etc.). 

Mais radicais e, portanto mais rápidos e efetivos seriam os discursos e as práticas contra-hegemônicas e emancipatórias do segmento infanto-adolescente, se o nível de consciência e organização de crianças e adolescentes chegasse a ponto de construírem um real "protagonismo"[30] nessa luta, inclusive buscando alianças diretas com outros oprimidos - um fortalecendo o outro.

Se tal consciência e papel assumissem as próprias crianças e os adolescentes, eles forçariam a nós, "adultos convertidos", a lutarmos realmente "com eles" e não apenas "para eles", como ainda prevalece em nosso tempo, com raras exceções. A participação proativa[31] de crianças e adolescentes - no mundo familiar, social e político -, passaria a se dar a partir deles próprios e não como concessão do mundo adulto e como decorrência de políticas, programas e projetos artificiais que, mais das vezes, promovem de fora para dentro essa pro-atividade e ao mesmo tempo a emolduram e domesticam.

Como dizia Berthold Brechet: “Só quando se tem a corda ao pescoço é que sabe quanto nos pesa a bunda”.[32]

Essencialidade humana e identidade geracional: características não-excludentes entre as duas e possibilidades de harmonização e de lutas complementares em favor de ambas, no tocante ao direito e às políticas para crianças e adolescentes.

Nessa luta emancipatória e transformadora em favor de crianças e adolescentes (jovens e idosos, por extensão), há que se procurar alternativa nova, através de instrumentos normativos, de espaços públicos (institucionais ou não) e de mecanismos estratégicos (políticos, sociais, econômicos, culturais, religiosos e jurídicos) que se tornem verdadeiros mecanismos de mediação[33], nessa luta pelo asseguramento da essencialidade humana e da diversidade identitária geracional, vencendo esse processo de des-humanização, de dominação e opressão, de desclassificação social de crianças e adolescentes, no jogo hegemônico e contra-hegemônico que condena grandes contingentes desse público infanto-adolescente, no Brasil e no mundo.

Assim sendo, crianças e adolescentes não deveriam interessar ao Direito e à Política Pública apenas quando integrassem especificamente grupos determinados dos “excluídos”, “oprimidos”, “vitimizados”, “em risco social e pessoal”, “drogadictos”, “infratores”, “explorados no trabalho e sexualmente” etc. É preciso ir mais ao fundo. Deveriam todos eles interessar antes como parte de um bloco contra-hegemônico, pelo simples fato de serem crianças e adolescentes e, portanto como tal tratados pelo bloco hegemônico como diversos, como menores em direitos, como objeto de uma proteção tutelar e limitadora.

A depender da resposta dessas crianças e adolescentes, em sua relação com a família, a justiça, a polícia, os conselhos tutelares, as igrejas, a escola, os órgãos de atendimento assistencial etc.etc., eles ganham rótulos e são categorizados no processo de triagem próprio desses sistemas de regulação social.

A lógica da reação social em detrimento da essencialidade humana e da identidade geracional: saídas possíveis em face de um processo adultocêntrico de dominação, num quadro geral de alienação, subalternização e desigualdades. A violência, a exploração, a discriminação como formas radicais de adultocentrismo. A necessidade da construção de discursos e práticas radicais contra-hegemônicas, num processo dialético de embate. Alternativas castradoras ou emanicpadoras.

Sob esse prisma específico, a análise da situação de dominação adultocêntrica reenvia ao tema da “reação social”, inicialmente informal-difusa da sociedade e comunidade, depois formal-institucional do aparato estatal. E essa reação social merece consideração quando se pretende aprofundar na construção do aqui se chamou de novo Direito e nova Política.

Reação social que além do mais, numa linha de radicalização, pode se tornar inclusive desviante e marginal, arbitrária e violenta: por exemplo, os arrastões, as institucionalizações ilegais, os procedimentos abusivos, a proibição sistemática do ir-e-vir[34], as torturas, os banimentos, o extermínio. Reação social pela qual, os comportamentos infanto-adolescentes, que se distanciam das normas prevalecentes nos seus ambientes, são reprovados, rotulados-estigmatizados, condenados à vendeta social, quando não expurgados violentamente (extermínio?).

Por isso, quando se enfrenta a questão da relação entre adultocentrismo e reação social, urge se considerar a lógica e a prática dos atores envolvidos, de ambos os lados da ordem de geração – mundo adulto e mundo infanto-adolescente. Ou seja, é importante considerar-se a perspectiva do segmento social dominado e subalternizado, em face da norma e do sistema de regulação social dos quais se distancia e em face inclusive dessa reação social decorrente de tal distanciamento. E deve-se considerar a ótica dos aparelhos de repressão, dentro dos sistemas de regulação social, em face da marginalização e do marginalizado.  Isto é, igualmente importa em se considerar o itinerário socio-biográfico da criança ou do adolescente. A maneira pelas quais crianças e adolescentes avaliam sua capacidade de operacionalizar suas normas pessoais de referência e/ou as normas do seu meio próximo circundante.

Quando se enfrentam questões, por exemplo, como a dos “garotos michês” e das “garotas de programa” na exploração sexual-comercial e a dos “aviõezinhos” no narcotráfico - importa levar-se em conta a lógica peculiar deles, as suas especiais necessidades sexuais, sócio-culturais e financeiras, a normatização peculiar dos seus guetos e o papel desclassificante/reclassificante, normatizador e sancionador/protetor de seus pais e parentes, de policiais, de juízes e promotores, de seus advogados, de professores, dos namorados e companheiros, do cafetão, do pai-de-rua, do bicheiro, do traficante etc. 

Esse público infanto-adolescente deve ser chamado a “superar” essa condição de vida considerada marginal, imoral, ilegal. E não apenas moralisticamente a “negá-la”. Um menino ou uma menina que vivia da prostituição, mesmo deixando essa forma de expressão sexual e profissão, não poderão ter uma vida sexual igual a de um outro adolescente de sua mesma idade, mas que não viveu essa situação, de exacerbação dos seus desejos e necessidades: terão a partir de agora novas exigências sexuais, sócio-culturais e financeiras que precisam ser consideradas. Nem tão pouco a eles se poderá oferecer algum tipo de posto de trabalho rotineiro, repetitivo, desprazeiroso, que lhe renda tostões e sem perspectivas de crescimento, de trazer-lhes reconhecimento social acima do padrão médio pequeno-burguês. 

Na interatividade entre indivíduo e agrupamento se encontra a possibilidade de sobreviver e resistir, mesmo no interior das relações dominadoras e opressora adultocêntricas. A galera e a turma criam um novo “espelho”, onde esse adolescente pode se olhar agora sem susto, elevando sua baixa auto-estima. O “mundo-lá-fora”, os “outros” e suas “regras” passam a ser “careta”, isto é, incômodos, obsoletos e perigosos. Um mundo velho a impedir o surgimento do novo, do “radical”. E a solução estará na busca do "irado". Os funckeiros da Favela Tal, a turma da Rua Qual, aquela Galera de Rock-Garagem, aquele Grupo de Grafiteiros, os meninos-de-rua liderados por Beltrano, os drogadictos ligados a Fulano, determinados michês, travestis e assemelhados etc.etc., passam todos a se sentir fortes e reconhecidos socialmente, exclusivamente em seus redutos, em seus agrupamentos, que lhes reforçam a auto-estima construída nessa “rede de relações entre pares”. Mas, a reforçar também o sentido de exclusão, apartação, subalternização e dominação. E, a partir desse sentido de pertença ao agrupamento e desse auto-reconhecimento social no seio do grupo dominado, se produz uma cultura própria a ser considerada.

Uma arte peculiar, por exemplo, que se torna instrumento operacional da superação da crise vivida pelo adolescente. Mas um instrumento operacionalizador também desse distanciamento da norma e de contestação ao sistema de regulação social. E igualmente de integração mais radical e permanente do adolescente a sua galera, gang etc. Assim sendo, por essa “cultura marginal” passam também os processos de neutralização da marginalidade e de ascensão social e de reconhecimento social da sociedade como um todo, inclusive do próprio Sistema, antes negado e do qual se desviou o adolescente e sua galera. Essa transformação passa, por exemplo, pelo grafite,  hip-hop,  funk,  rap,  pagode, história-em-quadrinhos, banda-garagem. E pela moda.  

Em conclusão: “Não há caminho melhor no processo pedagógico para produzir essa ’transformação’ do que a introdução dos conceitos e das práticas de arte, cultura, beleza – minha prática no âmbito da educação e da arte leva-me a afirmar que a convivência com a estética é um direito fundamental da criança e do jovem, qualquer seja sua situação existencial” (LA ROCCA) [35]

Quando se trata de enfrentar a problemática da dominação e opressão adultocêntrica (discriminação, negligenciação, exploração e violência) da infância e da adolescência (a lhes fazer abortada a cidadania), até o momento, uma dúvida em princípio vem à mente, diante do quadro geral da efetivação da normativa legal e da operacionalização das políticas e das ações públicas, no Brasil:
§  As crianças e os adolescentes, quando marginalizados, estarão condenados, sem alternativas, à "tríplice danação da solidão, do gueto ou da fogueira" (Jean GENET)?
§  Qualquer solução terá que vir numa linha soterista-messiânica[36], a partir de fora e de cima – como uma outorga, uma salvação, uma redenção, marcada pelo sinete do perdão abastardador e alienador?  Terá que vir numa linha puramente assistencialista/repressora e tutelar, desconsiderando a condição de cidadania dessa criança e desse adolescente?
§  Ou só seria possível uma resposta repressora, violenta e arbitrária do Estado e da sociedade - como ideológica justificativa da repressão à violência de crianças e adolescentes “desviantes-marginalizados”?
§  Devem eles se tornar também objeto de incidência do discurso e da prática daquele chamado “desvio institucional”, imputável aos próprios organismos oficiais de regulação social (arrastões, constrangimentos ilegais, torturas, extermínios etc.?

Há que existir alternativa. Assim, além do imprescindível atendimento público tradicional pelas políticas sociais (educação, saúde, cultura, habitação e especialmente da assistência social), a luta contra as relações adultocêntricas deve ser vista como uma questão de garantia, promoção e proteção de direitos humanos. Reconheça-se, preliminarmente, que se devem tratar todas as crianças e todos os adolescentes, e a cada um deles, em respeito a sua essencialidade humana como sujeitos de direitos e em respeito a sua identidade geracional como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Isto é, criança-cidadão e adolescente-cidadão que precisam de pessoas e grupos, responsáveis pela promoção e defesa dos seus direitos à participação, à proteção, ao desenvolvimento e à sobrevivência. Mas, eles próprios também responsáveis por seus atos, por sua vida.

Não é preciso que a proteção dessa pessoa em desenvolvimento, enquanto sujeito de direito, se torne exercício de um poder arbitrário da sua família, da sua comunidade, da sociedade em geral ou do Estado. Não se protege uma pessoa como se protege um pequeno animal feroz e perigoso, esquecendo-se que ele, de qualquer maneira, é um ser que já tem todos os direitos de um cidadão e como tal deve ser tratado; revertendo-se o processo de abortamento da sua cidadania.

Eles não precisam de proteção intrinsecamente, mas sim em determinadas circunstâncias, situações, condições, momentos: as necessárias limitações ao exercício de seus direitos devem ser entendidas como estratégias para garantir a plenitude desses direitos. Isto é, limita-se a autonomia deles para assegurar a plenitude da sua cidadania e não para torná-los menos-cidadão, cidadãos de segunda classe.

POSSÍVEIS CENÁRIOS EM CONSTRUÇÃO: AS AÇÕES AFIRMATIVAS, COMO FORMAS DE AÇÃO CONTRA-HEGEMÔNICA

A resiliência como estratégia de enfretamento contra-hegemônico e afirmativo da essencialidade humana e da diversidade identitária geracional de crianças e adolescentes: como fugir do tradicional modelo de dano em favor de um modelo potencializador das próprias capacidades ou competências, em evolução permanente da criança e do adolescente.

A criança e o adolescente, em si, já carregam uma carga de negatividade muito forte, que lhe impõe a ordem social adultocêntrica e que acabam assumindo. Importante se torna, então, a focalização estratégica positiva nos direitos e nas possibilidades práticas de sua exigibilidade. Com essa postura positiva, abandonamos também a descrença que nasce do “modelo do dano” (tanto dos atores oprimidos-dominados, quanto dos agentes públicos que com eles lidam), em favor da promoção da “resiliência”, enquanto potencial humano de passar por experiências adversas sucessivas, sem comprometimento da capacidade de superar esses percalços, de fazer bem as coisas e resgatar a própria dignidade. Promover a resiliência da criança e do adolescente significa fazer com que ele consiga construir seu sentido de vida e das coisas, seu lugar no mundo, no presente e, principalmente no futuro.  Como diz Cenise Vicente:
A resiliência é um fenômeno psicológico construído e não tarefa do sujeito sozinho; as pessoas resilientes contaram com a presença de figuras significativas, estabeleceram vínculos, seja de apoio, seja de admiração; tais experiências de apego, permitiram o desenvolvimento da auto-estima e autoconfiança” (VICENTE [37])

Contra-hegemonização política e jurídica

Por fim, constate-se mais: as situações de negligência, exploração, violência, opressão e particularmente de discriminação, a que estão submetidos crianças e adolescentes, exacerbadas a partir de uma situação ou de desvantagem social (em função da raça, etnia, gênero, sexo, morbidade, pobreza extrema etc.), ou de vulnerabilidade (exploração sexual, abandono, exploração no trabalho etc.) ou de conflito com a lei (infração), justificam o quanto suficiente “discriminações positivas” em favor deles, com ações afirmativas que compensem esse quadro maligno desencadeador ou potencializador da dominação adultocêntrica.

Neste ponto de reflexão, interessa aprofundar a discussão especificamente sobre a contra-hegemonização política e jurídica, em favor dos segmentos geracionais submetidos a esse processo de dominação, em nossa conjuntura, mais particularmente crianças e adolescentes. É imprescindível que se creia que o Direito tem um poder transformador maior do que tradicionalmente se atribui a ele, em nosso meio, ainda muito marcado por um "substancialismo jurídico[38].

É imprescindível, além do mais, que se creia que as Políticas de Estado têm igualmente poder transformador, talvez menor do que tradicionalmente se atribui, pouco marcado ainda pela idéia de que a formulação e desenvolvimentos dessas políticas estatais fazem parte de um processo sócio-político mais amplo, meta-estatal, onde as pré-definições políticas nascem do próprio povo organizado, com capacidade de incidência sobre essas políticas públicas.

 Um Direito formulado pelos poderes do Estado é mais amplo e profundo que a Lei que o reflete, mas não o esgota. E, de outro lado, um mais amplo conceito de Direito, insurgente[39] do meio da sociedade, é mais profundo e mais legitimo que aquele citado Direito estatal e por conseqüência que a lei.

O CONTEXTO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE[40], COMO BASE E JUSTIFICATIVA PARA SE FORMULAR UMA POLÍTICA TRANSFORMADORA E EMANCIPADORA, EM FAVOR DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

A formulação e o planejamento dessa política específica também dependem da análise do contexto político-institucional sobre o qual essa política vá incidir e onde se levante, analise e avalie sua inserção numa ambiência sistêmico-holística, ou seja, sua inserção em um sistema de garantia, promoção e proteção de direitos humanos, no âmbito do Estado e da sociedade.

A tradição do direito internacional dos direitos humanos leva-nos à utilização da já consagrada expressão "promoção e proteção dos direitos humanos", para se qualificar os ordenamentos, normativo e político-institucional internacional. É só se conferir os textos de convenções, acordos, declarações e outros documentos internacionais ou multinacionais a respeito. É só se conferir além do mais, a farta doutrina científica (multidisciplinar/multidimensional[41]), em torno dos direitos humanos, no mundo. É só conferir, finalmente, o já criado e implantado, em termos de instituições e mecanismos, quando se fala dos sistemas internacionais e regionais de promoção e proteção dos direitos humanos e de seus órgãos integrantes (ONU, UNICEF, UNESCO, OIT, OMS, OEA, Corte Internacional de Haia, Tribunal Penal Internacional, Corte Interamericana de Direitos de São José da Costa Rica, Alto Comissariado para os Direitos Humanos e seu Comitê para os Direitos da Criança, Conselho Internacional dos Direitos Humanos etc.).

A partir da ratificação dos diversos instrumentos normativos internacionais[42] a respeito do tema, os países no mundo inteiro têm adequado seu ordenamento jurídico e seu ordenamento político-institucional, internos, aos paradigmas ético-políticos e aos princípios jurídicos dos direitos humanos. Assim se vem fazendo no Brasil com a ratificação de toda normativa internacional sobre direitos humanos, como, por exemplo, com a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança - CDC

Mesmo a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 24, XV e no parágrafo 1º do mesmo artigo, antecipando-se à CDC (aprovada pelo ONU em 1989 e ratificada pelo Brasil em 1990), prevê a criação de uma “legislação de proteção da infância e da juventude" [43] (grifei), com normas gerais federais e normas especificas editadas concorrentemente pela União e pelas Unidades Federativas. E determina mais além que, em determinadas circunstâncias de violação de direitos, crianças e adolescentes fazem jus a uma "proteção especial" [44]. E posteriormente o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) diz no seu artigo 1º que é seu objetivo dispor sobre a “proteção integral” de crianças e adolescentes. Aí a expressão “proteção” é tomada como sintética e contrata, de relação à expressão analítica e expandida “garantia, promoção e proteção de direitos humanos”.

Porém, os que lutam pelos direitos da criança e do adolescente, em nosso país, geralmente, têm certa resistência (mesmo inconscientemente) ao uso dessa expressão "promoção e proteção de direitos", preferindo a forma sintético-contrata de "garantia de direitos", num sentido amplo, genérico. Ou mesmo de "atendimento de direitos", expressão a-técnica, consagrada no Estatuto da Criança e do Adolescente[45].

Assim sendo, usar-se-ão aqui as três expressões, sinonímica e concomitantemente: “garantia de direitos humanos”, “promoção & proteção de direitos humanos” e “garantia, promoção e proteção de direitos humanos”.

Isoladamente, a expressão “garantia de direitos humanos” deveria ser usada como gênero, no seu sentido ampliado, abrangendo as espécies da “promoção e da proteção de direitos humanos” e do “controle” sobre esses dois eixos citados.

A expressão “promoção dos direitos humanos” isoladamente se usaria no sentido da criação de condições político-institucionais para a realização/efetivação dos direitos, a se fazer principalmente através do desenvolvimento das políticas públicas[46].

E, por sua vez, a “proteção de direito (humanos)”, também isoladamente, se usaria  como acesso à Justiça, para responsabilização dos violadores e para a defesa[47] dos violados, no caso de violação ou ameaça a esses direitos infanto-adolescentes, através da política judicial e público-ministerial[48] e subsidiariamente das políticas públicas.

Desse modo, a expressão mais ampla proposta de “garantia, promoção e proteção de direitos humanos” [49] consegue abarcar o gênero e suas duas espécies.

De qualquer maneira, o essencial é que a normatização jurídica das relações geracionais seja vista como parte integrante das esferas do direito internacional dos direitos humanos e do direito constitucional brasileiro (mais especificamente da sua teoria geral dos direitos fundamentais), como uma especialização desses dois ramos do direito.

Todavia, tem-se evitado, algumas vezes, entre nós a expressão "promoção e proteção de direitos", isoladamente, para evitar confusões com as velhas doutrinas ou teorias da proteção tutelar[50] (incluída nessas a chamada "doutrina da situação irregular", dominante no passado no cone sul da America Latina). Doutrinas tutelaristas essas que utilizavam particularmente a expressão “proteção” num sentido deformado, de dominação, castração da cidadania, coisificação, submissão ao mundo adulto, numa perspectiva puramente adultocêntrica.

De qualquer maneira, a expressão “garantia de direitos”, no seu sentido ampliado, tem prevalecido em nosso meio, merecendo inclusive sua consagração pela normativa operacional básica a respeito, como a Resolução 113 do Conanda. Esta última expressão igualmente tem a favor do seu uso no Brasil a circunstância de que o texto constitucional pátrio a consagra[51], quando se trata de assegurar, através mecanismos de exigibilidade específicos (“garantias constitucionais”), a efetividade dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais dos cidadãos - inclusive de crianças e adolescentes, obviamente. E assim, quando se falar em “garantias de direitos” de maneira simplificada, poder-se-á usar igualmente a expressão “garantia, promoção e proteção de direitos”, como sinônimas.

 Por fim, presume-se então que, quando se agregar, além do mais, o termo “defesa de direitos”, entender-se-á que se está querendo colocar mais foco na linha da proteção de direitos, particularmente nas ações de defesa (proteção jurídico-social) de crianças e adolescente com direitos violados e ameaçados. Significa que não se quer dar igual destaque às ações de responsabilização judicial (penal e não-penal) e não judicial dos violadores de direitos? Fica aqui a dúvida.

Registrando a história recente: a reflexão e a sistematização de uma teoria sobre sistemas de garantia (promoção e proteção) de direitos humanos no Brasil, nascendo de estudos acadêmicos na área do direito internacional público, passando pelas entidades de defesa de direitos até culminar com sua discussão e institucionalização pelo CONANDA.

Para melhor se entender (a) tanto a reflexão, no Brasil, em torno dos instrumentos, instâncias públicas e mecanismos de garantia, promoção e proteção (= defesa + responsabilização) de direitos humanos em favor da infância e adolescência e da juventude (jovens-adultos), (b) quanto a reflexão em torno da necessidade de se construir um discurso e uma prática sobre a articulação política ampla e a integração operacional pontual desses mecanismos, em rede, dentro de uma ambiência sistêmica - é de se lembrar rapidamente o passado recente.

Tal discussão sobre esses temas na área da infância e adolescência, bem como de outros grupos vulnerabilizados (afro-descendentes, mulheres, povos indígenas, segmentos-lgbtt, idosos, pessoas com deficiência etc.) se fazia, de maneira sistemática e ainda tímida, em 1991, por exemplo, no Núcleo de Estudos e Pesquisas Direito Insurgente – NUDIN[52], em Salvador. Essa reflexão e seus produtos[53] eram apresentados em termos amplos, quando se discutia a promoção e proteção dos direitos humanos de determinados grupos vulnerabilizados ou das então chamadas “minorias políticas” (negros, mulheres, minorias eróticas, crianças/adolescentes e jovens). Naquela oportunidade, em especial, procurava-se inserir, dentro desse contexto geral dos direitos humanos, o recém-editado Estatuto da Criança e do Adolescente e a recém-ratificada Convenção sobre os Direitos da Criança.

Posteriormente, o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC, no Recife, em seus seminários de avaliação e planejamento, em parceria com a Save the Children Fund (Reino Unido), aprofundou mais essa reflexão, dando destaque, especifica e parcialmente, ao que se chamou de “Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente[54]; sem, porém abandonar a discussão sobre o campo genérico da promoção e proteção dos direitos humanos[55].

Essa discussão logo se ampliou para o âmbito da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED [56] e em seguida chegou ao CONANDA, que a consagrou em uma Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (1999); usando-se, daí em diante, a expressão “garantia de direitos”, amplamente, como sinônimo de “promoção e proteção de direitos”, abrangendo esse último binômio.

A partir daí, muito se produziu de doutrina a respeito da matéria, especialmente por fomento e provocação da Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores da Infância e Juventude – ABMP, do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF e do próprio CONANDA – tudo isso ainda sem uma sistematização completa e sem que se construíssem certos consensos mínimos a respeito dos marcos teóricos, que só o tempo e o debate assegurarão.

No momento, ainda há uma preocupação maior na configuração física estrutural-funcionalista do sistema (e, portanto no desenho de diagramas didáticos), do que na sua essencialidade[57] e sinergia interna e externa (articulação e integração, ad intra et ad extra).

O espírito da época no passado e a atual dogmática jurídica: evolução da reflexão no Brasil sobre direitos humanos.

Em verdade, o Estatuto, em nenhum momento, é suficientemente claro quanto a esse “sistema de garantia de direitos”: trata-se mais de uma inferência, especialmente a partir dos artigos 86 a 90 e de uma transposição dos modelos internacionais e regional (interamericano). Esse sistema nasce muito mais do espírito da Convenção, do que propriamente do texto do Estatuto[58].

Outras legislações de adequação à normativa internacional (CDC) de outros países, posteriores ao Estatuto brasileiro, foram mais claras e mais explicitas, pois aproveitaram o tempo posterior de rica discussão no mundo, pós-edição da CDC, como, por exemplo, o Paraguai[59].

À época da edição do Estatuto (1990), a reflexão sistemática sobre instrumentos e mecanismos de garantia, promoção e proteção de direitos humanos no Brasil não tinha alcançado o alto nível que alcançou nos dias de hoje: intuía-se a necessidade de a-tecnicamente “atender direitos”, num esforço louvável para se superar o velho paradigma do “atendimento de necessidades básicas”, acolhendo-se o novo paradigma da “garantia e promoção/proteção de direitos humanos”. 

Em verdade, a própria discussão ampla sobre direitos humanos no país e sobre instrumentos, instâncias públicas e mecanismos de efetivação desses direitos humanos ainda era incipiente entre nós[60]. Especialmente como marco referencial jus-humanista para a normalização, formulação, coordenação e execução tanto de uma política pública institucional autônoma no âmbito do Poder Executivo, quanto de uma política judicial de acesso à Justiça no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Mas, mesmo assim, não se pode negar que o Estatuto dispõe inquestionavelmente sobre garantia, promoção e proteção de direitos da infância e juventude, isto é, ele foi promulgado como norma reguladora dos artigos 227 e 228 da Constituição federal. Conseqüentemente, ele tem que ser considerado com uma norma de “garantia, promoção e proteção dos direitos humanos”, especificamente de crianças e adolescentes, vez esses dispositivos citados da Carta Magna têm essa natureza, equiparados que são ao artigo 5º da Carta Magna[61], complementados pelas normas da Convenção sobre os Direitos da Criança - CDC[62].

Deste modo, dever-se-á interpretar o ECA, a partir dos princípios e diretrizes da teoria geral dos direitos fundamentais (direito constitucional brasileiro) e do direito internacional dos direitos humanos; fazendo-se uma interpretação sistemática dos seus dispositivos, em harmonia com as demais normas desses campos do Direito, tanto na ordem jurídica nacional, quanto internacional.

Exemplificando, com a operacionalização dos mecanismos de promoção e proteção dos direitos de crianças e adolescentes, em especial, no caso de violência sexual; evitando-se o reducionismo, isto é, só a responsabilização do violador ou só a defesa do violado.

Por exemplo, quando se procura enfrentar a chamada "violência sexual contra crianças e adolescentes" (ou seja, o abuso e a exploração sexual-comercial[63]) não se deveria restringir às intervenções públicas exclusivamente, apenas à responsabilização penal dos abusadores e exploradores sexuais - maniqueistamente. Mas também, se deveria assegurar, simultânea e articuladamente, (1) o atendimento médico e/ou psico-social do(a)s abusado(a)s e do(a)s explorado(a)s, em serviços ou programas especializados, (2) a sua inclusão com sucesso na escola, (3) o seu atendimento especializado por serviços do sistema único de saúde, (4) a inclusão das suas famílias (ou dos próprios beneficiários, conforme a idade) em programas sócio-assistenciais, (5) ou em programas de erradicação do trabalho infantil (especialmente, os de eliminação imediata de piores formas de trabalho) etc. etc.

E além do mais, igualmente, nesses casos de violência sexual, se deve assegurar um eficiente e eficaz monitoramento e avaliação (= controle), tanto das intervenções jurídico-judiciais ("acesso à justiça") [64], quanto desse atendimento direto pelas políticas públicas, administrativamente [65]. A mera e isolada responsabilização penal dos violadores, geralmente, leva à re-vitimização da criança ou do adolescente com seus direitos sexuais violados. 

A visão reducionista da promoção e proteção de direitos humanos, que a faz se esgotar na linha exclusivamente na responsabilização penal do violador, no campo jurídico-judicial, igualmente, pode levar a um hiper-dimensionamento da figura do juiz dentro do sistema de proteção espacial de direitos violados, em oposição a todo avanço que se conseguiu nesse ponto de relação às rançosas doutrinas da proteção tutelar (e dentre elas a latino-americana "doutrina da situação irregular"), firmada na idéia do juiz-pai, do juiz-administrador, do juiz-higienista-terapeuta.

Não cabe ao juiz (e conseqüentemente ao promotor, ao delegado de polícia, ao conselheiro tutelar – mutatis mutandi) fazer indevidamente o papel de gestores (formuladores, coordenadores e executores) de políticas públicas. São resquícios dessa visão reducionista, por exemplo, os juízes que normalizam amplamente através portarias, os que procuram desenvolver diretamente serviços e programas públicos, os que confundem controle judicial dos atos administrativos com supervisão hierárquico-administrativa, os que transformam conselhos tutelares em suas equipes multiprofissionais etc. E assim, esses magistrados esquecem seu papel primordial de prestadores da jurisdição, de "administradores de justiça à população que dela necessita" - papel indelegável e de suprema importância para o funcionamento do sistema como um todo.

Por sua vez, o oposto deve ser igualmente condenado: a redução da proteção especial dos direitos dessas crianças e adolescentes submetidos a abusos e explorações sexuais, exclusivamente ao atendimento direto em programas e serviços de assistência social, educação e saúde, sem a responsabilização jurídica (civil, penal, administrativo-disciplinar etc.) dos violadores.

Essa postura equivocada leva à impunidade e à perpetuação do ciclo perverso de violações de direitos. O hiper-dimensionamento dos programas e serviços das políticas públicas também tem suas mazelas e remete ao assistencialismo, à filantropia, ao higienismo, à tutela – a satisfação de necessidades, desejos e interesses, sem a marca da qualificação dessa satisfação enquanto proteção de direitos humanos é um retrocesso, contra o qual se precisa igualmente lutar. Esse enfoque abastarda a vítima da violência sexual, ao ter seu direito a uma sexualidade livre e prazerosa reduzido a um mero interesse a ser tutelado, não como dever do Estado.

MARCOS REFERENCIAIS PARA A FORMULAÇÃO DE UMA POLÍTICA TRANSFORMADORA E EMANCIPADORA, EM FAVOR DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Aprovação, formulação e planejamento de políticas públicas

Segundo o §7º do art. 227, combinado com o artigo 204, ambos da Constituição Federal (CF), tanto a “formulação das políticas”, quanto o “controle das ações em todos os níveis” devem contar com a “participação da população”, obedecida a diretriz da “descentralização política e administrativa”, onde compete a “coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal”, bem como às “entidades” de “atendimento de direitos da criança e do adolescente” [66], ou melhor, de garantia, promoção e proteção de direitos humanos de crianças e adolescentes.

Posteriormente, adequando a ordem jurídica infraconstitucional àquele comando constitucional citado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ESTATUTO) definiu no artigo 88, II que compete aos conselhos dos direitos da criança e do adolescente, em caráter deliberativo, controlar as ações em todos os níveis. Pouco tempo depois, a lei federal que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança - CONANDA, em 1991, melhor adequando a normativa infraconstitucional a respeito, amplia essa norma-regra do ESTATUTO, para incluir ao lado da atribuição de controlar ações, igualmente a de formular políticas, como previsto no dispositivo citado da CF[67]. E nesse diapasão, ampliando as atribuições dos conselhos em nível estadual e municipal, as leis locais correspondente passaram a consagrar a “formulação de políticas’ e o “controle de ações”, como as duas áreas centrais de incidência do poder deliberativo desses conselhos públicos, multicitado; ao lado da “mobilização da opinião pública” (art.88, VII – ESTATUTO, com nova redação dada pela lei federal 12.010/2009).

Assim sendo, compete às normas suplementares[68] (federais, estaduais e municipais) que detalharem as normas gerais de “proteção integral” do ESTATUTO, às normas técnicas sobre gestão pública consagradas, à jurisprudência judicial e administrativa dominante e à boa doutrina - compete a todas elas definirem, com mais precisão, o conceito de “formulação de política”, que raramente os nossos comentaristas do ESTATUTO enfrentam para além das paráfrases; confundindo-se algumas vezes essa ação de formulação de política para sua aprovação final, com uma inexistente e excessivamente ampla “deliberação sobre as políticas” (sic), sem respaldo nas normas legais[69] e técnicas, confundindo-se desse modo a natureza do poder decisório (deliberativo e não consultivo) dos conselhos, com suas atribuições legais.

O que significa “formular” uma determinada política pública, de maneira geral? A expressão “formulação” etimologicamente tem o sentido de parametrizar, através determinados marcos referenciais.

Formular tem o sentido de estabelecer paradigmas, princípios, diretrizes e bases para a operacionalização das políticas públicas. No fundo, “formular políticas” significa reduzir-se a fórmulas normativas e conceituais, o desenvolvimento e a operacionalização de uma política e de suas ações. E isso se fará, portanto através de normas jurídicas e/ou de normas técnicas que estabeleçam essa formulação de parâmetros normativos e conceituais. A formulação de uma política (ou de um programa, mais detalhadamente) integra como fase preliminar, o processo de desenvolvimento ou operacionalização dessa política.

Se pegarmos exemplificativamente a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS[70] veremos que ela estabelece que ao Conselho Nacional da Assistência Social compete “aprovar a política”, usando a lei adiante a expressão “formular a política de recursos humanos” para uma das atribuições  do órgão executivo nacional.

Todavia o Estatuto e suas leis suplementares lembradas[71] não fazem distinção entre o ato deliberativo formal de aprovação final da política e o ato procedimental intermediário de formulação da política. Nesse caso, deve-se entender por falta de distinção do legislador, que os conselhos de direitos da criança e do adolescente são competentes para a formulação e para a aprovação da política de garantia, promoção e proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes.

Por fim, é de se reconhecer que a formulação da nossa política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos de crianças e adolescentes (a mal chamada “política de atendimento de direitos”) pressupõe - para sua aprovação final - que previamente se formulem seus marcos normativos, conceituais e político-institucionais, através da elaboração de parâmetros para a operacionalização e o desenvolvimento dessa política, ou seja, através da formulação de análises do contexto (a guiza de justificativas), de princípios, de diretrizes e de objetivos, estratégias, metas e ações – com uma forma de planejamento estratégico situacional[72].

E obedecida a supra-citada norma-principiológica da CF, essa formulação de política deverá ser feita com a ampla e irrestrita “participação da população” através suas organizações representativas. E isso se fará na medida em que essa formulação da política e sua aprovação final se proceda em espaços institucionais onde se garanta a paridade entre governo e sociedade civil organizada, na sua composição, como os conselhos dos direitos da criança e do adolescente.

Mas essa necessária participação popular não se esgota apenas nas deliberações desses conselhos mediatizadores, mas também deve se manifestar na participação proativa da sociedade civil organizada, através das suas próprias expressões organizativas e das suas articulações[73], diretamente em processos de discussão, deliberações/indicações e pré-formulações nesses espaços não institucionais da sociedade.

Em conclusão, o Fórum Nacional DCA e seus homólogos locais, portanto têm legitimidade jurídica e política para promoverem discussões e aprovarem indicações pré-formuladoras, quando se tratar da formulação e do planejamento estratégico situacional da política de garantia, promoção e proteção de direitos (humanos) de crianças e adolescentes.

 Isso o Fórum Nacional DCA (e seus homólogos locais) farão de maneira autônoma e concorrentemente com os conselhos dos direitos da criança e do adolescente e mesmo com os membros desses conselhos escolhidos pelas assembléias da sociedade civil para ter assento neles.

Também a área governamental tem a mesma legitimidade para promover igualmente discussões e aprovarem indicações pré-formuladoras, pois o Brasil - na configuração do seu Estado Democrático de Direito - optou pelo modelo misto de democracia representativa e participativa[74].

De qualquer maneira, estabelecido se tenha que essa formulação em definitivo de tal política no campo dos direitos humanos (a partir das indicações, subsídios e estudos preliminares do governo e da sociedade[75]) é de responsabilidade dos conselhos dos direitos da criança e do adolescente, nos três níveis, competindo ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente a formulação das normas e diretrizes gerais, sem prejuízo do papel suplementar dos conselhos locais (municipais e estaduais).

A POLÍTICA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS PARA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

Políticas públicas em favor de crianças e adolescente

Dentro no amplo “sistema garantia de direitos humanos da criança e do adolescente[76] (visto acima como parte de um meta-sistema de garantia, promoção e proteção de direitos humanos em geral[77]), há que se desenvolver políticas públicas, que abranjam ações (programas e serviços) variados em favor da criança e do adolescente: educação, saúde, assistência social, trabalho, cultura, relações exteriores, segurança pública, planejamento e orçamentação, promoção de direitos humanos etc.

Mas o Estatuto citado, no caput[78] do seu artigo 86 e nos incisos I a V do artigo 87, estabelece para o efeito dessa lei (isto é, para assegurar a “proteção integral”, na forma do seu artigo 1º) que será instituída uma chamada "política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente" ou política de garantia, promoção, proteção de direitos humanos de criança e de adolescentes[79], que passou a integrar o âmbito geral da política nacional de direitos humanos[80], quando ela foi mais claramente formulada e melhor explicitada no Brasil: o artigo 3º do Estatuto diz que crianças e adolescentes “gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”, ou seja, de todos os direitos humanos positivados pela ordem jurídica brasileira. Maior clareza seria preciso?

Essa política citada, estrategicamente, cortará, de maneira transversal (multidisciplinar, inter-setorial e multiprofissionalmente), todas as políticas públicas: infra-estruturantes[81], institucionais[82], econômicas[83] e sociais[84]). Cabe a ela reforçar a idéia de que a satisfação das necessidades básicas, dos interesses e dos desejos, por qualquer dessas políticas públicas, antes de tudo é um direito do cidadão-criança e do cidadão-adolescente e ao mesmo tempo um dever do Estado, da família e da sociedade.

Essa deverá ser uma política estratégica e não estritamente operacional de atendimento direto, ou seja, uma política que desenvolverá ações afirmativas em favor dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, incidindo sobre todas as políticas públicas sem limites de abrangência. E será, além do mais, uma política que desenvolverá ações de proteção de direitos, quando ameaçados ou violados, facilitando e qualificando o acesso à Justiça para esse segmento infanto-adolescente.

Esta é uma política de direitos humanos que deverá se desenvolver, quando formulada/normalizada e planificada mais aprofundadamente, através três linhas estratégicas essenciais (sem prejuízo de outras que a análise da situação, isto é, que a conjuntura aponte):

  • A primeira linha deverá ter um caráter de atendimento inicial, direto, integrado, emergencial e ao mesmo tempo alavancador/fomentador da efetivação dos direitos fundamentais e conseqüentemente da inclusão preferencial de seus beneficiários (vítimas de violações de direitos), tanto nas políticas públicas no âmbito do Executivo, quanto nas políticas de acesso á Justiça[85] no âmbito do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública; como, por exemplo, os programas, serviços e ações de:
(a) proteção de vítimas e testemunhas;
(b) atendimento inicial integrado, acautelamento inicial e internação provisória de adolescentes em conflito com a lei;
(c) combate à sub-notificação no registro civil das pessoas naturais;
(d) enfrentamento do abuso e exploração sexual;
(e) observatório de violações de direitos (gerenciamento de dados e informações).

  • A segunda linha atua indiretamente através de ações de mobilização social, de advocacy e de outras ações estratégicas[86], em favor dos direitos fundamentais (direitos humanos positivados), incidindo sobre a formulação das demais políticas e a coordenação/execução dos serviços, programas e ações dessas políticas todas, no âmbito do Executivo[87].

  • A terceira linha atua indiretamente, também, através de ações de mobilização social, de advocacy e de outras ações estratégicas, em favor dos direitos fundamentais (idem), incidindo sobre a formulação da política judicial e público-ministerial e sobre sua coordenação e execução de seus serviços, programas e ações, no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público[88].

Em todas essas três linhas, o fulcro central das ações dessa mencionada política de direitos humanos infanto-adolescentes está, por exemplo, no assegurar que os paradigmas ético-políticos e os princípios jurídicos dos direitos humanos (gerais e geracionais) tenham prevalência, ou seja, tenham efetividade sócio-política e eficácia jurídica: dignidade humana, liberdade, diversidade/pluralidade, igualdade, universalidade, integralidade, não discriminação, superior interesse e participação proativa da criança e do adolescente, proteção especial em casos de violação de direitos, prioridade no atendimento etc.  

Deve ser do escopo dessa política citada, por exemplo, que o princípio do superior interesse da criança/adolescente (CF, CDC e Estatuto) tenha prevalência, efetividade política e eficácia jurídica, concretamente, na real priorização absoluta do seu atendimento pelo Estado, sociedade e família, por exemplo, no processo de orçamentação pública (elaboração e execução do Orçamento Público).

Assim também, em outro exemplo: essa citada política de direitos humanos infanto-adolescentes igualmente deverá desenvolver ações afirmativas em favor da igualdade material de todas as crianças e adolescentes, promovendo o respeito a sua diversidade de gênero, raça/cor, etnia, orientação sexual. E além do mais protegendo esse público, quando submetido às inúmeras formas de discriminação (e de exploração e violência, decorrentes).  

Mais um exemplo, desta vez tocando no coração da nova normativa internacional sobre direitos da criança (CDC): tal política citada finalmente deverá desenvolver ações em favor do direito à participação proativa de crianças e adolescentes, isto é, do seu direito de ser ouvido e de ter sua opinião considerada, na medida do seu grau de maturidade (cfr. CDC), indo além da mera metodologia do “protagonismo juvenil” para se alcançar a essência desse princípio jus-humanista.

Estratégias de controle sobre essa política especial de garantia, promoção e proteção de direitos humanos infanto-adolescentes – monitoramento & avaliação.

Por fim, essa política de garantia, promoção e proteção de direitos (humanos) de crianças e adolescentes deveria ter sua efetividade assegurada e operacionalização qualificada e aperfeiçoada, através de determinados espaços “governamentais e não governamentais” (ou instâncias públicas) e de específicos mecanismos de acompanhamento, avaliação e monitoramento, isto é, através do controle social-difuso (pela sociedade civil organizada, especialmente, via seus fóruns, comitês e das próprias expressões organizativas do movimento social isolada e diretamente) e também do controle institucional (pelos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ministério Público, Parlamento, Tribunais de Contas etc.).

Para que esse subsistema de controle[89] (acompanhamento, avaliação & monitoramento) seja operacionalizado e funcione eficiente (melhores resultados) e eficazmente (maiores impactos) é preciso minimamente o seguinte:
·         Discussão ampla no meio da organização social, especialmente via essas instâncias articuladoras da sociedade civil (fóruns), de modo a pautar politicamente as questões e a mobilizar a sociedade;
·         Elaboração de diagnóstico da situação[90], com atualizações periódicas, tanto pela sociedade civil organizada, pelo governo para subsídio dos Conselhos;
·         Construção preliminar e propositiva de matrizes e parâmetros, como indicadores para o acompanhamento, avaliação e monitoramento, tanto por essas instâncias da sociedade civil, quanto pelo governo, com indicações (planos sócio-políticos);
·         Exame e referendo, pelos conselhos dos direitos, desse material, a ser promulgado como normas administrativas regulamentares, em caráter deliberativo e vinculante, no que for cabível, isto é, na esfera estrita de sua competência legal.

Esses mecanismos de controle (acompanhamento, avaliação & monitoramento), dentro do amplo sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente, têm campos de atuação dos mais importantes, mas na verdade estão sendo pouco explorados, pela maior parte dos órgãos governamentais, das entidades sociais (especialmente através de seus fóruns) e dos próprios conselhos.

Exemplificando: o controle do desenvolvimento da própria política de promoção dos direitos (humanos), através do cumprimento do disposto no parágrafo único do art. 90 e no caput do artigo 91 (Estatuto cit.), que trata do registro de entidades sociais e do registro de programas governamentais e não governamentais, pelos conselhos municipais dos direitos. Outro exemplo: a montagem do chamado "Orçamento-Criança" e a partir daí o acompanhamento-monitoramento tanto da elaboração orçamentária, quanto da sua execução. Mais: o acompanhamento do funcionamento dos programas socioeducativos (unidades de internação e semiliberdade, unidades de acautelamento inicial, programas de liberdade assistida). Idem, quanto a abrigos etc.

Estratégias de apoio institucional: gestão & financiamento

Realmente na formulação geral da política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos há que se enfrentar a questão da gestão publica e do financiamento dessa política, especialmente. Mas, numa visão estratégica e não operacional – no estabelecimento, por exemplo, de diretrizes gerais, para o financiamento dessa política pelo orçamento público e, portanto pelos fundos públicos pelos direitos da criança e do adolescente (FIA). Este último, com seu funcionamento já regulamentado por Resolução do CONANDA e que deverá ter essa norma regulamentar revista, reformada e adaptada ao novo plano decenal geral em elaboração. O plano nacional decenal geral não deve ficar adstrito aos atuais modelos de gestão pública e de gestão financeira previsto: ele deverá também propor alterações no ordenamento jurídico (leis, decretos, portarias, resoluções etc.) existente, que trata atualmente dessa área da gestão e financiamento público[91].

Estratégias de empoderamento identitário e potencialização de crianças e adolescentes e seu direito à participação proativa, como forma de ação contra-hegemônica contra o adultocentrismo. O problema do hermetismo da linguagem adulta competente/excludente e da guetificação da linguagem infanto-adolescente, como mecanismos respectivamente de poder e de sobrevivência. As possibilidades de comunicação bilateral. O ator falsamente protagônico e ator engajador e conscientizador

Esse fortalecimento da reflexão e da atuação da criança e do adolescente forçosamente nos levará ao ponto mais importante nesse processo de construção de cenários mais favoráveis aos processos de extensão da cidadania da criança e do adolescente, à superação do modelo adultocêntrico e à formulação dessa política de direitos humanos: a promoção da sua participação proativa na vida social em geral e particularmente no planejamento e no desenvolvimento das estratégias de sua integração social, fortalecendo neles um sentido de empoderamento (=empowerment), enquanto estratégia de potencialização do seu protagonismo social, enquanto metodologia para a garantia do seu direito de “ser ouvido e de ter sua opinião considerada” (CDC)

As crianças e os adolescentes, de um lado, não podem ser “massa de manobra”, manipulados por seus próprios dominadores. De um lado, não podem ser chamados a participar apenas reativamente, como forma de legitimação de um formalista “protagonismo social” ou de uma falsa participação, ouvindo-lhes as opiniões, as vezes, mas sem as considerar. Ou não podem de outro lado, ser deslocados para espaços meramente e equivocadamente “lúdicos” [92] e apartado. Fazendo com que eles percam sua capacidade de incidência sobre os espaços e mecanismos de discussão e ação política, sobre seus interesses, desejos e necessidades: fazê-los “brincar de casinha de boneca” simbolicamente, demarcando preconceituosamente espaços e mecanismos do mundo adulto e do mundo infanto-adolescente, sem pontes e sem parcerias.

Diante dessas duas alternativas deformantes da participação infanto-adolescente, é preciso evitar que, em certas circunstâncias (no caso de conferências, de seminários e encontros temáticos e outros tipos de eventos, promovidos pelo governo ou pela sociedade civil), crianças e adolescentes participem apenas de maneira reativa ou decorativa.

Nessas circunstâncias, os “adolescentes pseudo-adultos” (mini-adultos!?) são levados a um protagonismo individualista, descolados que ficam da sua identidade geracional e da sua inserção em organizações próprias e representativas. São atores-protagônicos, ao modelo teatral e cinematográfico, treinados para tal por determinadas lideranças societárias ou por seus pais/parentes, com discursos repetitivos e cheios de jargões; são crianças e adolescentes “prodígios”, que não conseguem formatarem um discurso próprio e autônomo.

Ou de outro lado, deve-se evitar igualmente que seus mecanismos de sobrevivência e resistência aos processos de dominação adultocêntrica sejam usados e manipulados (inclusive por eles próprios!) como forma de defesa no ambiente adulto, principalmente naqueles espaços de caráter adultocêntrico (explícito ou aparente), onde predominam as falas ou discursos técnicos, científicos e políticos nitidamente competente-exclusores, antagônicos ao saber popular e não-científico-formal: os condenáveis juridicês, economês, biologicismo-higienista, sócio-psicologista, de caráter elitista e corporativista etc.

Por exemplo, o mecanismo da guetificação[93] e do uso exclusivo da linguagem de gueto, quando esses atores ou só aceitam falar e atuar exclusivamente em seus guetos formais. Ou quando aceitam participar de ambientes imaginados hostis (o mundo adulto, visto simplificadamente) o fazem de maneira defensiva, usando como forma de comunicação codificada a linguagem do seu gueto, sem tentar construir pontes, nem assumir compromissos de luta política, construindo linguagens que sejam facilitadoras da comunicação para os processos de “doutrinação” e de “propaganda[94], como formas de incidência política

Como conciliar a comunicação necessária nascida da sua essência humana com a linguagem própria da sua diversidade identitária de geração (e mais, de gênero, raça, orientação sexual, localização geográfica etc.)?

Não se nega a validade da linguagem do gueto, da comunicação codificada/semiótica[95], quando se está circunstancial e conjunturalmente no seu gueto e se constrói ali com a fala sentido de pertença: realmente não há como se condenar indiscriminadamente a vivência em guetos quando o chamado mundo lá fora é realmente hostil. Mas a guetificação é meio, estratégia de luta e não um fim em si mesmo. Mas nunca como forma de alienação e anestesiamento de suas lutas por reconhecimento, respeito e libertação.

As lideranças infanto-adolescentes que foram lançados a vivências em guetos (prostitutos, gays, travestis, ciganos, meninos-de-rua, drogadictos, infratores, abrigados, negros etc.) precisam aceitar construir as pontes com o resto da sociedade organizada, para possibilitar que sejam instrumentos de “mediatização[96], isto é, defenderem os desejos, interesses e necessidades do seu grupo vulnerabilizados em seus direitos. E para isso precisam fazer cessar a cantilena interminável e falsa de que o único empecilho para a luta no meio da sociedade e do aparelho estatal é a “linguagem”, quando na verdade lhes falta um processo de conscientização da suas necessidades, desejos e interesses e de explicitação tática, de alguma forma, formulando esse discurso, próprio em termos identitários, mas comunicantes e inteligíveis minimamente.

Capacidade para intervirem têm, quase sempre crianças e adolescentes nesses espaços de construção do social. Mas, às vezes, falta-lhes capacitação em certos conhecimentos e treinamento em certas habilidades, para qualificar e fortalecer essa atuação/comunicação, como evolução da sua capacidade ou desenvolvimento. É preciso, pois se discernir entre o processo natural de desenvolvimento, de evolução da capacidade desses adolescentes e dessas crianças, com o processo construído de desenvolvimento de suas competências políticas, científicas, técnicas (formação, educação etc.):
A quantidade e qualidade das oportunidades de participação na resolução das situações reais influenciam os níveis de autonomia e de autodeterminação que eles serão capazes de alcançar também na vida pessoal, familiar, profissional, cívica, social (...) passa a ter diante de si uma oportunidade de ‘mobilizar’ em favor de uma causa, em favor de uma vida melhor, em níveis profundos, como uma opção de natureza pessoal, que lhe é fonte de prazer, de gratificação, de sentido de auto-realização”. (“Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei – Reflexões para uma Prática Qualificada” in Caderno n.01 / DCA-SNDH-MJ  / org. Wanderlino Nogueira Neto / 1998).

NATUREZA E CARACTERISTICAS DOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Uma política inter-setorial

O Estatuto prevê, no seu artigo 86, o desenvolvimento de uma "política de atendimento de direitos da criança e do adolescente”, ou dito melhor como se viu atrás: uma política de garantia, promoção e proteção de direitos da criança e do adolescente, dentro do vasto campo da política nacional de direitos humanos. Obviamente, não se trata aqui de nenhuma política setorial, como, por exemplo, as políticas sociais setoriais básicas (educação, saúde, assistência social etc.). Mas sim de uma política institucional autônoma, de caráter inter-setorial, a cortar transversalmente todas as demais políticas públicas sociais (educação, saúde, assistência social, por exemplo), institucionais (defesa do Estado, relações exteriores, segurança, por exemplo), econômicas (cambial, crédito, monetária, por exemplo) e infra-estruturantes (transporte, comunicação social, agricultura, indústria, energia, turismo, portuária, saneamento básico, por exemplo).

Essa política institucional citada teria o condão – através de suas instâncias públicas de formulação, coordenação, execução e controle (interno) e dos seus mecanismos político-administrativos – de garantir, proteger e promover, como direitos constitucionais fundamentais (i.é., direitos humanos geracionais de crianças e adolescentes), certos direitos reconhecidos de modo geral pela Constituição Federal (arts. 21 a 24), para fins de sua normatização regulatória: ou seja, direitos consagrados no campo de quaisquer das políticas públicas. Segundo a Constituição brasileira, os direitos fundamentais são direitos de hierarquia superior, consagrados em normas-princípios auto-aplicáveis, acima das normas-regras prevalentes na legislação infraconstitucional.

Confusões reducionistas

Dessa maneira, é realmente absurda a confusão que muitos ainda fazem entre essa política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos ("política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente" - Estatuto e conselhos dos direitos, citados) e a política de assistência social, por exemplo. Puro ranço de antigas doutrinas científicas (p.ex., a doutrina da situação irregular, entre nós no cone sul latino-americano), de revogadas legislações (p.ex., o revogado Código de Menores) e de políticas assistencialistas-repressoras (p.ex. a do Bem-Estar do Menor, nas quais o tutelarismo era seu mais importante pilar. Só que a atual política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos se firma na doutrina jus-humanista, também chamada entre nós de “doutrina da proteção integral" [97]. E, ao mesmo tempo, a política de assistência social constrói um novo caminho de negação do clientelismo, do "primeiro-damismo", do assistencialismo, do focalismo. Novos paradigmas para ambas, mas, que só confirmam a autonomia de cada uma. 

Alguns desavisados querem reduzir simplesmente o Estatuto, sua política de direitos humanos e os conselhos dos direitos da criança e do adolescente a meras "especializações" da Lei Orgânica da Assistência Social, da sua política decorrente, do seu sistema único e dos seus conselhos setoriais. Como se os primeiros tratassem apenas de um setor da assistência social: o das crianças e adolescentes socialmente vulnerabilizados ou em situação de risco pessoal e social.

Ora, o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite tal visão corporativa, reducionista e equivocada da abrangência de ação da sua política e dos conselhos dos direitos. Na verdade, não se trata de um ter prevalência sobre o outro ou concorrer com o outro. E sim realmente de abrangência. Os conselhos inter-setoriais (como os dos direitos da criança, da mulher, da igualdade racial, das pessoas com de deficiência etc.) têm uma abrangência maior que qualquer dos conselhos setoriais (saúde, educação, assistência social). Mas, não uma importância maior, pois suas funções são bastante díspares, sem confusão, superposição e concorrência.  Em que dispositivos seus a Lei Orgânica da Assistência Social teria revogado expressa e implicitamente o Estatuto da Criança e do Adolescente para que se possa assegurar que não existe espaço hoje para a formulação de uma política autônoma de garantia, promoção e proteção de direitos humanos da criança e do adolescente? Ou olhando-se de outro prisma, será que o atual Programa Nacional de Direitos Humanos (III) deverá ser entendido absurdamente como parte integrante da Política de Assistência Social?

Programas de proteção a clientelas específicas existem em qualquer das políticas sociais. Inclusive e principalmente no campo da política de assistência social, como os programas de proteção social de crianças e adolescentes vulnerabilizados e em risco social, por exemplo. Mas, programas, serviços, ações e atividades não se confundem com políticas, no seu sentido amplo e puro – e sim as integram como partes. Por exemplo: toda e qualquer forma de exploração laboral da criança e do adolescente[98] deverá se prevenida e erradicada (ou proibida e eliminada imediatamente, conforme o caso), através de serviços/atividades e programas/projetos de proteção especial de direitos da política de garantia, promoção, proteção de direitos humanos, articulados e integrados, com programas/projetos e serviços/atividades das políticas de saúde, de educação, de cultura, de assistência social, de proteção no trabalho[99], de segurança pública, de agricultura, das relações exteriores etc. etc. A erradicação do trabalho infantil no Brasil não é uma questão puramente de assistência social. Mas, o é também.

Modelo institucional federal

No passado, depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o governo federal especificamente entregou a coordenação dessa política (institucional e intersetorial) de garantia, promoção, proteção de direitos, à Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência – CBIA, vinculada ao Ministério do Bem Estar Social, que a nomeava como “política de proteção especial”. A vinculação do CBIA ao Ministério do Bem Estar Social, naquela época, tinha certo ranço do "velho regime": um órgão novo, com responsabilidades novas e revisionistas (e que a isso se propunha e que estava alcançando realmente antes de sua extinção...), preso, ainda que formal e institucionalmente, ao modelo assistencial do passado. E, por sua vez, nidificou-se o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, responsável pela formulação e controle dessa política, na Presidência da República (!); reforçando, com isso, a natureza de intersetorialidade ao fazê-lo responsável pela concertação nacional em favor dos direitos fundamentais infanto-adolescentes.

Posteriormente, com a apressada extinção da Fundação CBIA, o CONANDA foi vinculado ao Ministério da Justiça, responsável pela "política de defesa da cidadania". E nesse Ministério de Estado se criou o Departamento da Criança e do Adolescente, na estrutura da Secretaria Nacional da Cidadania, transformada em Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, ficando esse órgão responsável pela coordenação, em nível nacional, dessa política de garantia, promoção e proteção dos direitos humanos da infância/adolescência.

Atualmente, toda a política de direitos humanos foi deslocada, em boa hora, para a Presidência da República, sob a responsabilidade direta de uma Secretaria de Estado (mais estratégica que operacional), em nível de Ministério Extraordinário: Secretaria dos Direitos Humanos (com sua Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente). Essa é uma vitória que não pode ser abandonada.

A ambigüidade e diversidade dos modelos estaduais e municipais: a ausência de mais confiáveis e fortes interlocutores em nível local para a esfera federal

Nas esferas estaduais e municipais, o nicho institucional dessa política de garantia, promoção e proteção dos direitos humanos (crianças/adolescentes) varia de um lugar para outro. Em uns, está ela nidificada em Secretarias de Ação Social, de Desenvolvimento Social, de Solidariedade Humana, de Assistência Social e até de Educação. Em outros Estados, em Secretarias de Justiça ou de Segurança Pública – algumas poucas. Em outros raros, diretamente vinculadas ao Chefe do Poder Executivo – Casa Civil, Gabinete do Governador. E finalmente no caso do Paraná há uma Secretaria de Estado exclusiva para a área.

A primeira experiência, em determinados governos e em certos momentos, tem levado ao risco de confundir a política de direitos humanos com a política de assistência social, de maneira reducionista, desprezando a ótica da priorização absoluta, da intersetorialidade, da exigibilidade preferencial dos direitos fundamentais. Nesse caso, transforma esta "política de direitos humanos" em um mero ramo especializado da Assistência Social: os conselhos desta última seriam "conselhos de política pública”, enquanto os conselhos dos direitos da criança e do adolescente seriam apenas "conselhos temáticos" (?). Essa distorção pode nos levar aos tempos da "Política do Bem Estar do Menor", em boa hora extinta (Sistema FUNABEM-FEBEM). 

A segunda experiência de nidificação em Secretarias da Justiça e Cidadania tem o perigo de fazer repetir modelos do passado (Sistema SAM-SEAM) de triste memória, onde a questão dos "menores abandonados e delinqüentes" era uma questão de segurança e seu atendimento se fazia de maneira assemelhada ao atendimento prisional: as Secretarias de Justiça estaduais, ainda não conseguiram construir uma prática renovada de "defesa da cidadania", apesar do nome mais das vezes e das boas intenções. Seu quadro de pessoal tem razoável competência (e inclusive os vícios também) no trabalho com determinadas linhas tradicionalmente suas:  trabalhar na articulação política do Poder Executivo com os Poderes Legislativo e Judiciário, com o Ministério Público, com os Poderes municipais e com a Sociedade (quando isso não perderam para a Casa Civil ou Secretarias de Governo, em alguns Estados), no trabalho de supervisão geral de órgãos como as Ouvidorias Gerais e as Defensorias Públicas (quando não assumem sua autonomia constitucional) e principalmente no trabalho de administração do sistema prisional. Quando não, em determinadas experiências, funcionam em conjunto com a Segurança Pública. 

A conjuntura local dirá qual a melhor vinculação administrativa, levando-se em conta uma série imensa de variáveis: de qualquer maneira, a melhor solução está na vinculação a um Ministério, Secretaria estadual ou municipal ou outro órgão público (a) que a reconheça como política autônoma; (b) que a reconheça como política de garantia de direitos humanos e não “política de clientela”; (c) que tenha maior abertura para a inter-setorialidade, com maior capacidade de articulação interinstitucional; e (e) que tenha realmente força política (poder/prestígio).

OPERACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE GARANTIA, PROMOÇÃO E PROTEÇÃO (DEFESA) DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Os programas e serviços específicos de socioeducação (sanção) de adolescentes em conflito com a lei e de proteção especial de direitos humanos de crianças e adolescentes credores de direitos.

 Tanto os programas e serviços específicos de socioeducação (sanção) de adolescentes em conflito com a lei, quantos os de proteção especial de direitos humanos de crianças e adolescentes credores de direitos são ambos dirigidos a público-alvo e a situações próprias, que os distinguem dos programas de proteção de outras políticas públicas (por exemplo, os programas de proteção sócio-assistencial para crianças e adolescentes em situação de risco ou socialmente vulnerabilizados, típicos da política de assistência social).

Os programas, serviços e as ações públicas de proteção especial de direitos humanos para crianças e adolescentes se dirigem a todo o segmento infanto-adolescente que tenha seus direitos ameaçados ou violados (art.98 – Estatuto citado) – são eles universais e focalistas, a um só tempo!

Não é uma situação social (vulnerabilidade social, carência etc.) que justifica a intervenção desses programas/serviços previstos no Estatuto e sim uma situação jurídica: isto é, o não reconhecimento e não-garantia de direitos fundamentais nas áreas elencadas anteriormente exemplificativamente da educação, da saúde, da assistência social, da cultura, do lazer, do trabalho, do trabalho.

O Estatuto discrimina exemplificativamente, nos inciso I a VII do artigo 87[100], alguns tipos de programas e serviços socioeducativos (adolescentes em conflito com a lei) e protetivos específicos de direitos humanos (crianças e adolescentes credores de direitos), a serem normalizados, criados e mantidos[101], no âmbito dessa política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos infanto-adolescentes (ou não!), por outras leis subseqüentes[102] e outras normas operacionais básicas federais, estaduais e municipais.

E no artigo 90, o Estatuto fala em “regimes” para a “manutenção por entidades de atendimento”, de “programas de proteção e socioeducativos” (sic), ou no âmbito da política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos da criança e do adolescente ou no âmbito de qualquer outra política pública (assistência, social, educação, segurança pública, cultura?), a depender de leis orgânicas e atos administrativos reguladores posteriores:
  • Liberdade assistida
  • Semiliberdade
  • Internação;
  • Orientação e apoio sócio-familiar;
  • Apoio sócio-educativo em meio aberto;
  • Colocação familiar;
  • Acolhimento institucional[103] (antigo regime de abrigo)

Numa discutível redação técnico-legislativa, o Estatuto confusamente discriminou esses citados regimes, serviços e programas de maneira tal que se poderia presumir que estava instituindo e criando organicamente serviços e programas de uma política determinada, mal chamada por ele de “política de atendimento de direitos” (sic). Isso se presumiria se estivéssemos fazendo uma mera interpretação gramatical dos seus dispositivos referentes a essa citada política (arts. 86, 87 e 90). Mas, em se fazendo uma devida interpretação sistemática e teleológica dessas normas citadas (como determina o art. 6º do Estatuto) dever-se-á entender que ali naqueles dispositivos examinados se está apenas apontando exemplificativamente áreas de intervenção para essa “política de atendimento de direitos”, ou dito melhor, para essa política de garantia, promoção e proteção dos direitos humanos.

Observe-se que o Estatuto dispõe sobre a “proteção integral de crianças e adolescentes”, como estabelece o seu artigo 1º, editado com base no permissivo do inciso XV do artigo 24 e no §1º do citado artigo da Constituição Federal que diz competir à União legislar (concorrentemente com os Estados Federados e com o Distrito Federal) através “normas gerais” sobre “proteção da infância e juventude”. E a Constituição Federal faz distinção entre (a) regular direitos, legislando sobre eles diretamente (artigos 21 e 24 da CF)[104] e (b) regular direitos, legislando sobre diretrizes, bases e a organização em sistemas de determinadas políticas públicas (in ibidem)[105]

A partir desse entendimento, examine-se o artigo 87 e seus incisos: o Estatuto estaria realmente criando e organizando aqueles “serviços” mencionados nos seus incisos III a V e aquelas “políticas” mencionadas nos seus incisos I e II? Ora, as políticas sociais citadas nos incisos I e II já eram pré-existentes e deveriam ser reguladas por leis orgânicas próprias, como foram (LOS, LOAS, LDB etc.). Em verdade no citado dispositivo se queria dizer que competia à política especial prevista no artigo 86 incidir sobre tais políticas sociais, para ali, no interior delas – como uma linha estratégica - garantir, promover e proteger os direitos fundamentais de criança e adolescentes. Do mesmo modo: os serviços especificados nos incisos III a V igualmente já pré-existiam no campo de outras políticas e lá encontravam sua nidificação (a localização de desaparecidos, por exemplo, na segurança pública) e ali se queria dizer a mesma coisa dita de relação aos incisos I e II.  

Com uma posterior formulação e normalização dessa política de garantia, promoção e proteção de direitos (humanos) da criança e do adolescente esses serviços, programas e serviços deveriam ser criados concretamente, ou no bojo dessa política, como forma de atendimento direto ou no bojo de qualquer outra política, nesse último caso sujeito esta à incidência externa da política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos (direitos fundamentais) da criança e do adolescente.

Assim, se normatizou/formulou/planejou, por exemplo, na área da assistência social, onde depois de editada a Lei Orgânica da Assistência Social, posteriormente por atos normativos deliberativos do Conselho Nacional de Assistência Social foi formulada essa política (Resolução 145/2004) e foi mais instituído e regulamentado o Sistema Único da Assistência Social – SUAS. E de igual maneira se procedeu na área da saúde, da educação, da segurança pública etc.

Características maiores desses serviços e programas específicos[106] de proteção de direitos humanos infanto-adolescentes

Os programas e serviços de proteção especial de direitos humanos, de modo geral, são vistos por MESQUITA NETO[107] como "ações que visam prevenir a ocorrência de violações de direitos humanos, direcionadas à população em geral, a grupos de pessoas especialmente vulneráveis a essas violações ou a grupos de pessoas que já foram vítimas dessas agressões. São ações que visam prevenir a ocorrência de violações de direitos humanos antes que elas aconteçam ou atender às vítimas imediatamente após a ocorrência das violações ou no longo prazo que devem ser preservados e fortalecidos." Tal característica deverá ter os serviços e programas de proteção especial dos direitos humanos geracionais.

Esses serviços e programas específicos deveriam ser, em primeira instância, numa primeira linha estratégica (mas não única!), a depender da necessidade conjuntural, como "centros integrados de atendimento inicial" dirigidos à população infanto-adolescente, numa linha preventiva e de atendimento emergencial, precário e encaminhador, funcionando inclusive e principalmente como "retaguarda" para os conselhos tutelares e varas da infância e da juventude (e os órgãos do Ministério Público, da Defensoria Pública). Seus operadores são basicamente "defensores de direitos humanos", qualquer que seja sua formação acadêmica e profissional.  São esses serviços e programas de proteção especial os preferenciais "provedores/portais” da rede de atendimento direto, na ampla ambiência sistêmico-holística do Sistema de Garantia dos Direitos Humanos, ao lado dos conselhos tutelares e dos órgãos do Ministério Público. Através deles e após um trabalho integrador e preparatório, as crianças e adolescentes, adjetivados de alguma forma por suas circunstâncias de vida (explorados ou abusados sexualmente, em situação de rua, soropositivos, torturados, vítimas de maus tratos, narcotraficantes, abandonados, drogaditos, explorados no trabalho etc.) poderão ser encaminhados a serviços e programas das políticas sociais básicas e/ou de certas políticas institucionais e econômicas, como "sites" desta "rede" maior de atenção integral à população infanto-adolescente. Nestas características apontadas, certamente estão a essencialidade e o diferencial dos programas e serviços de proteção especial, de relação aos serviços e programas das demais políticas públicas que podem incidir sobre essas crianças e adolescentes credores de direito, concorrente e superpostamente. 

O Estatuto, por ser norma nacional e geral de proteção integral de direitos, pouco detalhou a respeito, apenas rotulando os serviços e programas em questão, deixando, portanto para que leis federais, estaduais e municipais e suas decorrentes normas administrativas regulamentadoras (NOB) os criassem, definindo seu campo de atuação e suas atribuições.

Características maiores desses programas socioeducativos (de natureza sancionatória) para adolescentes em conflito com a lei: o SINASE como antecipação e a necessidade futura de sua adequação ou não à formulação geral da política (e do plano decenal) de garantia, promoção e proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes.

Antecipando-se à formulação da multicitada política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos de crianças e adolescentes, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente[108], no passado, formulou as diretrizes para o desenvolvimento dos programas socioeducativos destinados a adolescentes declarados pelo sistema de Justiça Juvenil como autores de atos infracionais. E assim, através de uma Resolução sua que aprovou o Sistema Nacional Socio-Educativo – SINASE, a ser obedecida como norma de garantia, promoção e proteção de direitos humanos, quando da sua operacionalização por qualquer outra política pública (assistência social, por exemplo).

Assim sendo, futuramente, após a edição do amplo plano nacional decenal (e/ou genérica norma operacional básica e/ou de lei federal específica) referente à política de garantia (...) de direitos infanto-adolescentes, essas normas específicas do SINASE merecerão obviamente uma revisão. No momento, há que se considerar matéria vencida nesse ponto e se retirar (ou não!) do próprio texto do SINASE muitas lições e evitar desvios, no processo em andamento de formulação da política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos de crianças e adolescentes.

Incidência sobre os serviços e programas das demais políticas

Em outra linha estratégica de atuação, a política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos da criança e do adolescente[109] (obviamente como o faz a genérica política de direitos humanos de relação a toda a pessoa humana) deve fomentar, facilitar, articular a inclusão de seu público-alvo de credores de direitos, a partir daqueles seus serviços e programas específicos de proteção especial e socioeducativos (primeira linha estratégica, atrás analisados), nos programas e serviços das demais políticas públicas, especialmente das políticas sociais básicas: educação, saúde, assistência social, trabalho, previdência, segurança pública, cultura, desporto etc.

Assim sendo, a política de garantia (...) dos direitos e seu decorrente sistema político-institucional lançam seu público de crianças e adolescentes credores de direitos e de adolescentes em conflito com a lei - ad intra - aos braços dos “cuidadores”, operando nos seus serviços e programas de proteção especial (premial) e de socioeducação (sancionatória).

Entretanto, essa missão da política de garantia (...) de direitos de inclusão privilegiada e acompanhada nos serviços e programas das demais políticas públicas (educação, saúde, assistência social, educação, segurança pública, relações exteriores, trabalho, cultura, planejamento-orçamentação etc.), na prática cotidiana, sofre algumas ambigüidades: algumas vezes, essa política de garantia (...) dos direitos da criança e do adolescente é vista apenas como mera articulação das políticas sociais (garantir acesso à escola, por exemplo), outras vezes, ela é reduzida aos seus programas de proteção especial (abrigo, por exemplo) ou socioeducativos (internação, por exemplo).

O ideal é se assegurar que ela (como toda política em favor de Direitos Humanos) tem como missão última o asseguramento do acesso qualificado de seu público a quaisquer dos serviços e programas de todas as políticas públicas, inclusive das políticas judiciais. E ao mesmo tempo, para isso atingir como ponto-ômega, essa política aqui em foco precisa da institucionalização e manutenção dos seus serviços e programas específicos, quando criados, numa linha nitidamente estratégica.

Exemplificando

Assim, a sociedade civil organizada[110] poderia apresentar como áreas estratégicas para a formulação e planejamento da política de garantia, promoção e proteção dos direitos da criança e do adolescente, algumas das inúmeras indicações – por exemplo – contempladas no “Relatório da Sociedade Civil sobre a Situação dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil[111]; tanto referentes especificamente ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescentes[112] (por exemplo, “implementação de programas oficiais de proteção a testemunhas e vítimas de crimes contra crianças e adolescentes”, “criação de unidades de internação provisória em espaço físico de das unidades de internação provisória”) , quanto referentes genericamente aos sistemas de educação e de saúde[113] (por exemplo, “investimento em programas de nutrição infantil, com ênfase ma faixa entre 12 e 60 meses”, “fortalecimento do acompanhamento e do controle social da totalidade dos recursos destinados à educação”).

Em ambos os casos, se estaria procurando operacionalizar a política de garantia, promoção, proteção dos direitos humanos da criança e do adolescente, em suas linhas estratégicas de ação, na forma do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Convenção sobre os Direitos da Criança e da Constituição Federal.

CONCLUSÃO

Em síntese: falar-se hoje em política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos da criança e do adolescente tem um novo sentido; acentua a vinculação das suas normas reguladoras e do seu sistema político-institucional de efetivação dessas normas, aos instrumentos e mecanismos, gerais e especiais, internacionais, regionais[114] e nacionais, de garantia, promoção e proteção de direitos humanos.

Significa a assunção de um compromisso maior com a ótica do direito internacional dos direitos humanos e do direito constitucional (direitos fundamentais) brasileiro; afastando a tentação de desvincular o movimento de luta pela emancipação de crianças e adolescentes, do movimento maior pela emancipação dos cidadãos em geral, especialmente dos "dominados", em especial: trabalhadores, empobrecidos, mulheres, negros, população sem-terra e sem-teto, lésbicas e homossexuais, transgêneros, índios, descapacitados e pessoas com deficiência, pessoas que vivem com HIV, ciganos, loucos, delinqüentes, nordestinos, quilombolas, ribeirinhos amazônicos, moradores de favelas, segmentos LGBTT etc.

É preciso retirar a criança e o adolescente do nicho de sacralização e idealização e da demonização, no qual muitas vezes nosso discurso e nossa prática os entroniza ou condena, para lutar mais concreta e criticamente pela retirada deles, portanto dos círculos do éden ou do inferno a que estão condenados, como anjos glorificados ou como anjos decaídos.

Petrópolis, setembro 26, 2010.
Wanderlino Nogueira neto

OBS.: O presente texto foi elaborado em 2010 por solicitação do Secretariado Nacional do Forum Nacional DCA, ao Autoir, quando da discussão em seminarios regionais, dos projetos de formulação da Politica Nacional de Direitos Humanos para a Criança e o Adolescente e para o seu planejamento decenal, antes da aprovação desses instrumentos normativos pelo CONANDA. As posições sustentadas neste texto refletem a posição pessoal do Autor como consultor ad hoc, sem que necessariamente coincida com as poições do Fórum Nacional DCA

ANEXO

NORMATIVA INTERNACIONAL DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS APLICÁVEL NO BRASIL


Título
Data
Promulgação
Decreto no
Data
25/09/1926
66
14/07/1965
24/02/1940
36098
19/08/1954
15/10/1946
38018
07/10/1955
02/05/1948
31643
23/10/1952
02/05/1948
28011
19/04/1950
09/12/1948
30822
06/05/1952
10/12/1948
12/08/1949
21/08/1957
12/08/1949
21/08/1957
12/08/1949
21/08/1957
12/08/1949
21/08/1957
02/07/1951
50215
28/01/1961
31/03/1953
52476
12/09/1963
07/12/1953
58563
01/06/1966
07/09/1956
58563
01/06/1966
07/03/1966
65810
08/12/1969
16/12/1966
19/12/1966
592
06/07/1992
19/12/1966
591
06/07/1992
31/01/1967
70946
07/08/1972
22/11/1969
678
06/11/1992
18/12/1979
4377(*)
13/09/2002
10/12/1984
40
15/02/1991
09/12/1985
98386
09/11/1989
17/11/1988
3321
30/12/1999
27/06/1989
19/04/2004
20/11/1989
99710
21/11/1990
08/06/1990
2754
27/08/1998
24/07/1992
3108
30/06/1999
Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Declaração e Programa de Ação) Viena
25/6/1993
18/03/1994
2740
20/08/1998
09/06/1994
1973
01/08/1996
07/06/1999
3956
08/10/2001
06/10/1999
4316
30/07/2002
4463
08/11/2002
4738
12/06/2003
25/05/2000
5006
08/03/2004
25/05/2000
5007
08/03/2004
18/12/2002
6.085
19/4/2007

    (*) O Decreto nº 4.377, de 13/09/2002 revogou o Decreto nº 86.460, de 20/03/1984.


[1] Conferir texto integral no sítio eletrônico da ANCED-DCI
[2] Instrumento de interpretação
[3] Plano Nacional de Garantia (...) dos Direitos à Convivência Familiar e Comunitária, Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, Plano nacional de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, Norma Operacional Básica sobre o Sistema Nacional Socio-Educativo (SINASE) – por exemplo.
[4] No sentido consagrado na obra de Antonio Gramsci
[5] O outro partícipe do Estado, na visão ampliada gramsciana
[6] LOWI, Michael in “As aventuras de Karl Marx, contra o Barão de Munchhausen”.  São Paulo. Ed. Cortez. 2003
[7] Face identitária ou identidade: de geração, raça, étnica, gênero, orientação sexual, localização geográfica etc.
[8] Conferir LUKÁCS, Georg in. Ontologia do ser social (I e II). São Paulo, Ed. Ciências Humanas, 1979; LEFÉBVRE, Henri. La vie quotidienne dans le monde moderne, Paris, Ed. Gallimard, 1968; HELLER, Agnes. O quotidiano e a história. Rio de Janeiro. Ed;. Paz e Terra. 1972; CARVALHO, Maria do Carmo M.C. Brandt. Cotidiano: Conhecimento e Crítica. Cortez Editora. 7ª edição. 1978.
[9] Em primeiro lugar e só por via de conseqüência, “sujeitos de direitos” e não, o contrário. 
[10]Reificação”: coisificação, redução à condição de objetos de tutela e dominação, como acontece com trabalhadores, mulheres, crianças, negros, indígenas, LGBTT, pessoa com deficiência, consumidores etc.
[11] Relações de gênero, de geração, de raças, de etnia etc.
[12] Conferir Lowy, Michael  in “As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen”.8ª edição.  São Paulo. Ed. Cortez. 2003.
[13] Utopia = o que não está aqui agora aqui ainda, mas que se está construindo como cenário possível, histórico, verossímil.
[14] Teoria ou Doutrina dos Direitos Humanos (multidimensional), também chamada na América Latina e no Brasil particularmente de “doutrina da proteção integral”, no campo dos direitos infanto-adolescentes, como se verá adiante.
[15] Isto é, uma teoria ou doutrina jurídica (Ciência do Direito) somada a uma normativa jurídica vigente (direito positivo ou dogmática jurídica: leis, decretos, resoluções, portarias, NOB, instruções normativas etc.)
[16] A partir da classificação formal das políticas públicas no Brasil: sociais (educação, saúde, previdência, assistência social, trabalho etc.), institucionais (direitos humanos, segurança pública, relações exteriores, defesa do Estado etc.), infra-estruturantes (agricultura, comércio, indústria, transporte, turismo etc.) e econômicas (fiscal, cambial etc.).
[17] No sentido político-ideológico usado por Antonio Gramsci (in “Memórias do Cárcere”), mais restrito que o de população, terceiro setor, sociedade.
[18] No caso, deste trabalho da sociedade civil de pré-formulação e discussão, sustenta-se aqui que essa consonância citada deverá ser com a versão original ampliada do PNDH III, oriunda de formulação conjunta pelo governo e sociedade civil, em conferências e consultas públicas.
[19] Relatório de 2006 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
[20] Síntese de Indicadores Sociais 2007. IBGE. Rio de Janeiro. 2007
[21] Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2005 — Racismo, pobreza e violência. PNUD Brasil. 2005. Brasília
[22] Os dados oficiais, recolhidos nas pesquisas do IBGE, adotam o conceito de auto-declaração, ou seja, o/a entrevistado/a declara se considera ser “branco, negro ou pardo”.
[23] NOGUEIRA NETO, Wanderlino. “Direitos Humanos Geracionais”. Fortaleza. Ed. SDH & CEDCA-CE. 2005.
[24] Movimentos sociais de real enfrentamento da verdadeira questão social, centralizados nela, posicionando-se em favor da prevalência das necessidades, dos interesses, dos desejos e dos direitos da classe trabalhadora e dos grupos vulnerabilizados e marginalizados (descriminados, explorados, violentados): mulheres, negros, indígenas, LGBTT, ciganos, quilombolas, ribeirinhos amazônicos, pessoas com deficiência e que vivem com o HIV, loucos etc. etc., para que sejam reconhecidos como direitos, num sentido amplo, mesmo os ainda não reconhecidos e garantidos pelo Estado (“direitos insurgentes”).
[25] No pensar de Lenine: “doutrinação e propaganda” e “ação revolucionária”.
[26] Evitou-se aqui o uso das tradicionais expressões “exclusão social” e “excluídos”, por sua limitação e ambigüidade na conjuntura atual no chamado Terceiro Mundo.
[27] Prostituto(a)s, gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, etc.
[28] Empowerment
[29] Aqui no sentido positivo da expressão como o utilizado em estratégias de advocacy da UNESCO.
[30] Metodologia para se garantir o direito à participação de crianças e adolescentes
[31] Adiante se tratará mais aprofundadamente dessa questão quando finda esta analise da conjuntura se começar a esboçar os cenários possíveis para enfretamento da dominação adultocêntrica.
[32] “A Regra e a Exceção”.
[33] Mediação que afasta toda pretensão ideológica-conservadora de neutralidade e que parte do ponto de vista dos interesses e desejos das classes trabalhadoras e dos grupos vulnerabilizados e igualmente subalternizados
[34]Leis estaduais ou municipais e portarias judiciais chamadas de “toque-de-recolher, que nunca se pensou nelas mesmo no auge da vigência do Código de menores e da Política do Bem Estar do Menor e no auge do período ditatorial militar no Brasil.
[35] LA ROCCA ,Césare de Florio . 1998: “Reflexões sobre Liberdade, Direitos e Deveres Humanosin “Políticas Públicas e Estratégias de Atendimento Socioeducativo a Adolescentes em Conflito com a Lei” – Brasília: Ed. Ministério da Justiça / UNESCO
[36] “Salvação” a partir de um messias, de um herói, de um demiurgo - externo e superior (do grego “sotero” / sotero, isto é, salvador)
[37] VICENTE, Cenise. “Promoção da Resiliência” in “Políticas Públicas e Estratégias de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” – op. cit.
[38] GARCIA MENDES, Emilio - "Infância, lei e democracia: uma questão de justiça"
[39] “Direito achado nas ruas” – Roberto Lyra Filho
[40] Expressão consagrada na Resolução nº 113 / Conanda
[41] No campo da História, da Filosofia (Ética), da Sociologia, da Antropologia, da Ciência Política e da Ciência do Direito, por exemplo.
[42] Ver ANEXO ao final com quadro dessa normativa internacional
[43] Artigo 24, XV – CF
[44] Artigo 227, § 3°, I a VII - CF
[45] Artigo 86 – lei cit.
[46] Políticas sociais, institucionais, infra-estruturantes e econômicas
[47] Pede-se a atenção para o fato de que a “defesa dos violados” e a “responsabilização dos violadores” não deveriam ser vistos (como tem acontecido) como duas outras espécies de garantia de direitos, no mesmo nível da “proteção e da promoção de direitos”; mas sim como uma subespécie da proteção de direitos.
[48] Por força da Emenda Constitucional 45, que prevê a existência dessas políticas, sob responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e dos órgãos da administração superior do Poder Judiciário e do Ministério Público (em nível federal, estadual e distrital)
[49] A proteção de direitos implica tanto na defesa de quem tem seu direito violado  (chamado vítima) como na responsabilização do violador
[50] Doutrinas científicas no campo do direito, das ciências sociais, da psicologia, da pedagogia, da ciência política etc.
[51] Artigo 5º - CF
[52] Organização não governamental de estudos, pesquisas e ação social, formada por professores e alunos, associados, da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA, que atuava no campo dos Direitos Humanos especiais de grupos vulnerabilizados (“minorias políticas”), integrando a Rede dos Núcleos de Estudos do Fórum Nacional DCA. O NUDIN, à época, desenvolvia atividades acadêmicas de extensão para a cadeira Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, como parte da organização social Fundação Faculdade de Direito da Bahia.
[53] Apostilas do Curso de Pós-Graduação (latu sensu) em Direito Constitucional da Criança (Cooperação NUDIN, UNICEF, CBIA e a Fundação Faculdade de Direito da Bahia). 1990: textos de Wanderlino Nogueira (org.), Vera Leonelli, Carlos Vasconcellos, Maria Auxiliadora Minahim et alterii.
[54] Interessava, naquela ocasião, no CENDHEC, discutir-se, mais especifica e aprofundadamente, a posição dos centros de defesa da criança e do adolescente, enquanto integrantes do “eixo da defesa de direitos” (ou garantia de direitos, no sentido estrito) e enquanto entidades de defesa responsáveis pela “proteção jurídico-social” de crianças e adolescentes com direitos violados (art.87, V – Estatuto da Criança e do Adolescente)
[55] CABRAL, Edson Araújo (org.); NOGUEIRA NETO, Wanderlino; BOSCH, Margarita Garcia; PORTO, Paulo César Maia; NEPOMUCENO, Valéria et alterii. 1993: “Sistema de Garantia de Direitos. Um caminho para a proteção integral”. Recife: CENDHEC / BID. Coleção Cadernos Cendhec – vol.8
[56] NOGUEIRA NETO, Wanderlino. “A Proteção Jurídico-Social” (tese aprovada em Assembléia Geral da ANCED). Revista da ANCED vol. 2. 1998
[57] Por exemplo, os marcos referenciais do multi-profissionalismo, da multidisciplinaridade, da inter-setorialidade e os paradigmas sistêmicos autopoiéticos e holísticos (conferir obra de Nikil Luhmann).
[58] Não se pode deixar de registrar que esse enfoque, no sentido da conformação ao modelo internacional/regional, já era advogado por alguns participantes do movimento de luta pelos direitos da criança e do adolescente que se empenhavam pela formulação do Estatuto citado de início e pela sua efetivação posteriormente: por exemplo, Aninna Lahalle, Maria Josephina Becker, Césare de Florio La Rocca, Yves de Roussan, Emílio Garcia Mendes, Irene Rizzini, Jaime Benvenuto, Valdênia Brito e outros.
[59] A nova lei paraguaia começa com capitulo referente ao sistema de garantia de direitos.
[60] Entre nós no passado as forças mais progressistas viam o discurso dos direitos humanos como caudatário do discurso sobre cidadania, numa linha néo-liberal burguesa
[61] O artigo 1º do Estatuto citado deixa isso meridianamente claro e, em função disso, se tem sustentado em certas ocasiões que os artigos 227 e 228 da CF devem ser equiparados a “cláusulas pétreas”.
[62] Tratado reconhecido pela ONU como de promoção e proteção de direitos humanos
[63] Evita-se aqui o uso impróprio da expressão “pedofilia”, que na verdade tecnicamente, no campo próprio da saúde mental, é um distúrbio mental, um transtorno obsessivo compulsivo, uma parafilia, uma perversão sexual e, portanto tem sentido bem restrito (conferir LIBÓRIO, Renata Maria Coimbra – “Abuso, exploração sexual e pedofilia” in “Criança e Adolescente – Direitos, Sexualidade e Reprodução” org. UNGARETTI, Maria América. 2010. São Paulo. Ed: ABMP
[64] Pelas respectivas Corregedorias, Conselhos Superiores e Ouvidorias, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública etc.
[65] Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, Fóruns de Entidades Não Governamentais, Fóruns temáticos mistos, Tribunais de Contas, Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores
[66] Nessa forma a-técnica utilizada no artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente ou como política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos de crianças e adolescentes, como posteriormente se passou a chamar por força de legislação posterior e outras normas administrativas reguladoras (ver atrás a questão da nomenclatura)
[67] Inciso II do artigo 204 - CF
[68] Normas suplementares e gerais - §§ 1º a 3º do artigo 24 da CF.
[69] O ESTATUTO no seu artigo 88 fala em “deliberar e controlar ações”; etmologicamente já se vê que no texto legal a conjunção aditiva “e” não permite que se entenda tratar-se de “deliberar ações” (sic) e “controlar ações”. Em verdade, trata-se realmente de “controlar ações” em caráter deliberativo. Os regimes dos dois verbos (deliberar e controlar) não permitem outra interpretação. A palavra “política” não aparece no texto em análise para permitir que se entenda tratar-se de um “deliberar sobre políticas”, como às vezes se afirma equivocadamente, concessa maxima venia.
[70] Considerando-se que a Constituição Federal manda aplicar as diretrizes do seu artigo 204, à proteção da criança e do adolescente regulada pelo seu artigo 227.
[71] Leis federais, estaduais e municipais de criação de conselhos dos direitos da criança e do adolescente, conselhos tutelares, fundos para a infância e adolescência, varas da infância e juventude, promotorias e defensorias públicas e leis específicas sobre execução de medidas socioeducativas, sobre garantia do direito à convivência familiar e comunitária, sobre programas de proteção a vítimas e testemunhas etc.
[72] Diverso do planejamento operacional ou planejamento de gestão, que integra o campo da coordenação e execução das políticas, fora da área de atuação dos conselhos formuladores e controladores.
[73] Fóruns e frentes de entidades sociais, por exemplo.
[74] Artigo 1º - CF
[75] Incluindo-se mais os organismos e agências internacionais
[76] Resolução 113 / Conanda
[77]Ambiência sistêmica ou sistema holístico” (NOGUEIRA NETO, Wanderlino) e “sistema autopoiético” (LUHMANN, Nikil).
[78] Caput (latim) = cabeça
[79] Na formulação dada pelos estudos preliminares para a planificação decenal dessa política, para, que se desenvolvem desde 2009, no âmbito do Conanda, material agora, em 2010, sob consulta pública
[80] Cfr. Programa Nacional de Direitos Humanos - III
[81] Agricultura, Indústria, Comércio, Transporte etc.
[82] Segurança Pública, Direitos Humanos, Defesa do Estado etc.
[83] Fiscal, Cambial etc.
[84] Educação, saúde, previdência social, assistência social etc.
[85] Conferir, Emenda Constitucional 45: Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, como formuladores dessa política judicial e público-ministerial.
[86] Monitoramento, apoio institucional, construção de competências (formação), empoderamento, parcerizações (articulações & integrações)
[87] Originalmente pelos conselhos setoriais de políticas públicas e pelos seus órgãos próprios de execução: por exemplo, Sistema Único de Assistência Social – SUS, Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS e sua Secretaria de Assistência Social, em nível federal.
[88] Ver Nota 44
[89] Sub-sistema integrante do amplo sistema de garantia de direitos humanos (cfr. Resolução 113/Conanda)
[90] Nesse ponto, necessários se torna envolver, algumas vezes, o meio acadêmico (Universidades), sem prejuízo da atuação dos núcleos/centros de estudos e pesquisas (autônomos).
[91] Assim o fez recentemente com o Plano Nacional de Garantia e Promoção do Direito à Convivência Familiar, aprovado em Resolução conjunta do CONANDA e do CNAS e que indicou muitas alterações a serem feitas futuramente ao Estatuto. Indicativos esses que resultaram em parte  na lei 12.10/2009 (a chamada nova lei da adoção), mas que nesse processo de reforma legislativa não se repetiu o processo democrático de elaboração originalmente do Estatuto e do citado Plano.
[92] Como se a ludicidade pudesse ficar ausente do atuar humano, de modo geral, como se ética e estética fossem campos separados
[93] Formação de blocos ou espaços isolados de iguais, de pessoas que se unem em guetos para sua proteção e livre explicitação de sua diversidade identitária (p.ex. racial, sexual, cultural etc.) – conferir Umberto Ecco.
[94] Conceitos retirados do pensamento de Lenine a respeito da comunicação na luta revolucionária..
[95] Semiótica = construção e uso de signos, símbolos, sinais, como forma de expressão e de comunicação
[96] No sentido restrito e específico do pensamento marxeano: mediar em favor de um dos pólos em conflito.
[97] Esta não se trata propriamente de uma doutrina científica disciplinar ou multidisciplinar sistematizada, mas sim de uma construção teórica a ser usada como objetivo da norma, como chave hermenêutica (sentido teleológico) para a exegese/interpretação de toda normativa internacional e nacionais, construída na América Latina principalmente como fruto das estratégias de mobilização social, de advocacy e de construção/desenvolvimento de capacidades e competências  (formação) do UNICEF, especialmente no Brasil e na América Latina e em O Caribe
[98] Trabalho precoce, trabalho doméstico, prostituição, narcotráfico, trabalho noturno, trabalho perigoso, insalubre e penoso, trabalho escravo etc.
[99] Idem Nota 34
[100] Nova redação dada pela lei federal 12.010 de 2009, incluindo-se os incisos VI e VII.
[101]“Programas específicos” - Art.88, III – ESTATUTO
[102] Leis orgânicas
[103] Nova redação dada pela lei federal 10.012/2009.
[104] Direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, do trabalho, tributário, financeiro, penitenciário, proteção ao patrimônio histórico,
[105] Educação, cultura, previdência, seguridade social, defesa, transporte etc.
[106] “Criação e manutenção de programas específicos” – art.88, III – ESTATUTO.
[107] MESQUITA NETO, Paulo de. 2002. "Segundo Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos"
[108] Mais uma vez, o CONANDA, “comendo pelas beiradas”, fez antecipadamente a formulação da execução dos programas socioeducativos de relação à formulação do total da política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos de crianças e adolescentes.
[109] Insistindo na lembrança: a mesma coisa que “política de atendimento de direitos” – cfr. art.86 – Estatuto cit.
[110] Segmento da sociedade com forte conotação ideológica, transformadora e emancipadora, que o Fórum Nacional DCA e seus homólogos nos Estados e em alguns municípios pretende representar.
[111] Relatório apresentado ao Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas (Genebra), pela ANCED, com a adesão do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – DCA e de outras entidades  em 2004 (a chamada Coalizão da Sociedade Civil Brasileira)
[112] Capítulos 1, 4 e 5 – Relatório citado
[113] Capítulos 2 e 3  – Relatório citado
[114] Europeu, americano, africano, asiático.


[i] O Autor é procurador de justiça aposentado do Ministério Público da Bahia e membro da Seção Brasil da rede Defense for Children International – DCI (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente - ANCED). Anteriormente, foi professor de Direito Internacional Público na Universidade Federal da Bahia – UFBA, Procurador Geral de Justiça da Bahia (Governo Waldir Pires), Diretor Geral do Tribunal de Justiça da Bahia, Articulador Nacional da Rede de Núcleos de Estudos sobre a criança e o adolescente e da Rede de Centros de Defesa da criança e do adolescente (ambas integrantes do Fórum Nacional DCA). Foi mais secretário nacional do Fórum DCA, secretario executivo da ANCED-DCI, coordenador do grupo temático para monitoramento da implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) no Brasil, professor de Direitos Humanos nos cursos especiais para advogados-militantes da ANCED-DCI, representante da ANCED-DCI, perante REDLAMYC nos encontros ibero-americanos para a infância, consultor especial para o UNICEF (Brasil, Angola, Cabo Verde e Paraguai), supervisor geral de projetos de formação para a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores e Defensores da Infância e Juventude – ABMP, consultor ad hoc para o CONANDA e para o Fórum Nacional DCA. Autor de seis (6) livros publicados especialmente sobre direitos humanos.

Por Wanderlino Nogueira Neto [i]

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