quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

(3) COTIDIANO - castigos físicos, cruéis e degradantes

Aprovado na Camara de Deputados no Congresso Nacional o projeto de lei que condena os "castigos físicos, cruéis e degradantes" (a mal-chamada lei da palmada). Segue ela agora para o Senado Federal, onde se espera seja aprovada rapidamente. Para tanto, espera-se que aquelas pessoas infiltradas em todos os cantos do país (os "podres poderes", cantados por Caetano) e que portam o DNA do autoritarismo e do tutelarismo repressivo-assistencialista não venham "botar- boneco, atrapalhar, promover obstruções, adiamentos; não venham espernear histericamente. O mesmo DNA da Ditadura Militar se repete na Ditadura Familiar. Hoje assisti o Alexandre Garcia falar na TV, enumerando uma serie de falsidades, inverdades e distorções. Não por ignorancia, mas por má fé. Diz ele que o Estatuto da Criança e do Adolescente já trazia mecanismos penais para viabilizar os casos de maus-tratos, de violencia contra a pessoa da criança e do adolescente. Ele omite o papel educativo, mobilizador, protetivo/emancipador do projeto de lei. Ele omite o reconhecimento do projeto de que temos legislação penal para isso, mas que precisamos de ações no ambito das políticas públicas, especialmente no ambito da políticas de saúde (mental), de educação e de assistencia social para dar conta dessa perversão social (castigo físico). Ele, como parte legítima do "entulho autoritário" que é, só acredita nas armas do falido Direito Penal, seletista e inócuo. As sanções penais no Brasil e no mundo só são efetivas quando se tratam de acusados/réus empobrecidos. O "bom-burgues", bem posto na sociedade, não tem medo, nem motivo pra ter medo das penas, do Direito Penal. Por isso tanto se compraz o jornalista (e outras pessoas com o mesmo DNA político e ideológico) com o mecanismo penal existente. Mas ridiculariza os mecanismos mobilizatórios e educativos. O que os "filhotes da ditadura" mais temem hoje: um povo consciente, esclarecido, educado, formado politicamente. Como o povo da Suécia (pioneiro nesse campo) e de inúmeros outros países do mundo, apoiados no advocacy e na mobilização das Nações Unidas, países que adotaram legislação, jurisprudencia e ações de políticas públicas (integrados serviços e programas, atividades e projetos) da mesma natureza que se está para adotar felizmente no Brasil. Povo educado é povo livre! "Gentileza gera gentileza" - dizia o profeta de rua carioca. E assim: toda e qualquer violencia gera mais violencia! Indignemo-nos com essa manipulação dos "podres poderes" quando procuram manter e elevar os níveis de alienação da população, especialmente das classes trabalhadoras e dos grupos vulnerabilizados em seus direitos (mulheres, crianças/adolescentes, jovens, idosos, LGBTT, afro-descendentes, povos indígenas etc.).

sábado, 3 de dezembro de 2011

(4) COTIDIANO - PREMIO DIREITOS HUMANOS 2011

NISSO EU CREIO E POR ISSO LUTO...

Na oportunidade em que minhas crenças e minhas lutas, no passado e no presente, justificaram a concessão, pela Presidência da República, do Prêmio Direitos Humanos 201, a mim – sinto-me na obrigação de dar conta, a todos e todas, das razões do meu pensar e do meu agir, como razões dessa honrosa premiação, a meu ver.


1. CREIO que nosso movimento pelas crianças e pelos adolescentes deve integrar-se em um movimento maior pelos direitos humanos, como uma frente específica de luta no combate mais amplo. Para tanto é necessário revisarmos nossos conteúdos conceituais e nossas estratégias, colocando-os na perspectiva dos direitos humanos. Para tanto é preciso aprofundarmos todas nossas parcerias e certas alianças com os que combatem o bom combate pela plena realização dos direitos fundamentais (como direitos humanos positivados), de todos os cidadãos e todas as cidadãs, com especial atenção para aqueles que lutam pela realização dos direitos humanos das classes trabalhadoras e dos vulnerabilizados no exercício de seus direitos. Tais como, as mulheres, os afro-descendentes, os povos indígenas, os segmentos LGBTT, os sem-terra e sem-teto, os quilombolas, os ciganos, as populações do semi-árido nordestino e ribeirinhas do Amazonas, as pessoas com deficiência, os que vivem com o HIV, os que sofrem mentalmente (inclusive os adictos às drogas lícitas e ilícitas) etc. Ou seja, sempre trafegando do geral ao especial e do especial ao geral – sem pretensas “neutralidades axiológicas”,  reducionismos, corporativismos, personalismos, isolacionismos, falsas imparcialidades ou “política de clientela apartada”.


CREIO que por isso se torna imprescindível que se tenha algo como um comando unificado da política nacional de direitos humanos, para que se possa harmonizar as diferentes lutas pelos direitos humanos especiais, evitando-se os aparentes conflitos, entre direitos de mulheres e de crianças, entre crianças e adolescentes-jovens, por exemplo, entre crianças urbanas e crianças indígenas ou rurais. Um foco central de articulação e integração.

1.A. Em função dessa crença, na década de 80, engajei-me, na Bahia e depois em nível nacional, na LUTA pelos direitos humanos de crianças e adolescentes. Inicialmente, como professor em núcleo acadêmico de estudos e pesquisas (NUDIN – Fundação Faculdade de Direito da Bahia) e em seguida em um centro de defesa de direitos (CEDECA YVES DE ROUSSAN  / BAHIA), que prestavam ambos assessoramento político e jurídico a movimentos populares na cidade de Salvador (Bahia), instrumentando algumas de suas expressões organizativas (movimentos de mulheres, de negros, de bases geográficas, de meninos-de-rua, por exemplo) para a autodefesa de direitos como “advogados-populares” e para a produção e aplicação de um “direito insurgente”, alternativo, com capacidade de incidir politicamente de relação ao direito estatal (leis etc.), através especialmente de seminários livres e de cursos de especialização (pós-graduação sentido lato) e de ações de "proteção jurídico-social (Estatuto - cfr). Nesse esforço de luta, em tais frentes de combate, priorizamos pioneiramente a promoção do direito à vida e dos direitos sexuais, no combate ao extermínio e ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. E já entrando nos primeiros anos da década de 90, procuramos atingir outros meios acadêmicos e organizações do movimento social de mais Estados, com apoio do UNICEF e do CBIA (Ceará, Maranhão, Rio Grande do Sul, Pará, Tocantins, São Paulo, Sergipe, Rio Grande do Norte, por exemplo). Mais tarde, ainda na década de 90, por via de conseqüência, integrei, em nível nacional, a direção de uma frente ampla de articulação de entidades da "sociedade civil organizada", como parcela estrita e mais compromissada da população (FÓRUM NACIONAL DCA, em Brasília), como seu secretário-nacional. Nesse momento histórico, essas entidades mais progressistas , assim articuladas, promoviamos ações de mobilização social e de incidência/advocacy, em favor da implementação da nova normativa nacional que se promulgava a época: o Estatuto da Criança e do Adolescente, como adequação da normativa nacional às normas superiores da Constituição Federal (1988) e da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989/1990).


2. CREIO que, quando se falar em direitos humanos, não se deve falar deles apenas em sua restrita dimensão jurídica como Direito dos Direitos Humanos (Direito Internacional Público e Direito Constitucional Especial, brasileiro). Mas também na sua dimensão ético-sócio-política. Isto é, não só (a) buscando a eficácia jurídica dos princípios jurídicos dos direitos fundamentais infanto-adolescentes, através dos mecanismos de acesso à Justiça (Valor). Mas também (b) buscando a efetividade político-institucional deles, através dos serviços, programas e ações das diversas políticas públicas institucionais, sociais, econômicas e infra-estruturantes. E assim CREIO, igualmente e com primazia, que quando se buscar essa eficácia e efetividade dos direitos humanos fundamentais de todos os cidadãos e especialmente do cidadão-criança e do cidadão-adolescente, imprescindivelmente, que se o faça através das instâncias públicas (governamentais, não governamentais e mistas) de controle público – institucional, social e misto. Ou seja, através dos mecanismos estratégicos de acompanhamento, monitoramento, avaliação e correição das ações públicas.

2.A.  Em função dessa crença, LUTEI fortemente junto à Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (a partir do CEDECA Yves de Roussan, na Bahia e do Centro D. Helder Câmara, em Pernambuco), junto ao Fórum Nacional DCA e ao próprio Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA e suas conferências nacionais (Resolução nº 113 e 2ª Conferencia Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), no sentido de se institucionalizar, no país, através ato normativo, um “sistema de garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes”, interpretando (por inferência) determinados artigos do Estatuto multicitado, como forma de adequação dos nossos ordenamentos normativo e político-institucional, à sistemática da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Sistema das Nações Unidas de Promoção e Proteção de Direitos Humanos. De se registrar que o esforço brasileiro de institucionalizar esse sistema (holístico e autopoiético) em nível local de certa forma influiu os países irmãos, especialmente da América Latina, a assim fazê-lo em seus novos re-ordenamentos normativos e político-institucionais. Nesse processo de inserção do nosso país na comunidade ibero-americana e africana, assumi forte compromisso de me colocar ao lado vários companheiros e várias companheiras do Brasil e de outros países da América Latina, do Caribe e da África, para assegurar laços mais aprofundados de organicidade, na luta pelos direitos humanos, pelo desenvolvimento humano auto-sustentado e pela democracia real.


3. CREIO que a luta pela prevalência dos direitos humanos (gerais e especiais/geracionais), nas relações internas e internacionais do Brasil, muito depende de que essa nossa luta se faça aliando-a a outra luta gêmea siamesa, como aquela pelo reconhecimento de que o mero desenvolvimento econômico é muito restrito e insatisfatório, quando se trata da busca por um mundo melhor, mais livre e fraterno. Faz-se necessário então que o desenvolvimento humano seja buscado de forma mais ampla, radical e auto-sustentável. Daí a necessidade de agregarmos nosso movimento pelos direitos humanos de crianças e adolescentes, às lutas por um novo modelo de desenvolvimento, que abranja as lutas pela terra e pela moradia, pelo meio ambiente, pelos direitos do consumidor, pela diversidade cultural regional e local, pelo direito à territorialização e livre re-territorialização, pelo direito ao corpo e à diversidade sexual livremente buscada etc. Não há espaço para os direitos humanos se realizarem, num modelo econômico-social de dominação, exclusão, exploração e subalternização de grandes parcelas da população.

3.A. E em função dessa crença citada contribuí com a ANCED-DCI na formação da “coligação da sociedade civil brasileira”, no esforço para construirmos metodologia  própria e adequada às normas da ONU, para levantamento, análise e avaliação de dados e informações e para a elaboração do primeiro e do segundo "relatórios alternativos da sociedade", sobre a efetivação da Convenção sobre os Direitos da Criança; o primeiro relatório, apresentado em 2003/2004 ao Comitê para os Direitos da Criança (Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU), em Genebra. E o segundo, já divulgado internamente no Brasil, mas ainda a se apresentar às Nações Unidas logo depois da apresentação pelo governo federal do “relatório do país”, como exigem as normas do Comitê. E nessa construção de novas alianças estratégicas e nessa elaboração de relatórios - LUTEI ao lado de vários companheiros e companheiras (ANCED-DCI, FÓRUM NACIONAL DCA, ABMP, ANDI, MST, por exemplo) para que essa nossa coligação de entidades e movimentos sociais e esse processo de construção de relatórios à ONU e à OEA, ambos incluíssem novos atores e seus agentes, como os movimentos e entidades que atuam no Brasil na linha da  defesa de direitos humanos de gênero, raça/cor, etnia, orientação sexual etc. Assumimos muitas das bandeiras dessas organizações e movimentos; fazendo com que eles assumissem várias das nossas bandeiras no campo dos direitos humanos gerais e especias de geração.


4. CREIO, em decorrência disso tudo, que a garantia, a promoção e a proteção/defesa dos direitos de crianças e adolescentes – através do acesso à Justiça com qualidade, do desenvolvimento de políticas públicas e do controle das ações do Estado e da Sociedade - só terá sentido se forem todas nossas reflexões e ações, balizadas como verdadeira práxis transformadora, pelos paradigmas ético-políticos dos direitos humanos e pelos princípios gerais jurídicos do Direito Constitucional brasileiro, (consagrados em nosso ordenamento jurídico positivo) e do Direito Internacional dos Direitos Humanos (tratados e outras normativas internacionais, acolhidos pelo Brasil). E assim sendo, nossa normativa jurídica e nosso ordenamento político-institucional ficam obrigados a respeitar estritamente os paradigmas e os princípios da universalidade, da integralidade, da não discriminação, da prevalência do superior interesse da criança (e da prioridade absoluta na sua atenção direta pelo Estado), da participação proativa e propositiva das crianças e dos adolescentes (direitos de ser ouvido e considerado, de livre associação e religião, de livre expressão etc.), da responsabilização da família, da sociedade e do Estado em garantir o provimento das necessidades e desejos de crianças e adolescentes com a assunção de responsabilidades e cuidados pela sua sobrevivência e pelo seu progressivo desenvolvimento humano, promovido e protegido integralmente.

4.A. Em função dessa crença, engajei-me de último na LUTA, contra todas as formas de dominação adultocêntrica, todas as formas de proteção tutelar autoritária, higienista, repressivo-assistencialista, inconstitucional, numa retorno repudiável de alguns  agentes públicos aos paradigmas, princípios e regras do revogado Código de Menores brasileiro (e mesmo de toda a legislação anterior, mais castradora e autoritária, editada à época da ditadura militar). Em função disso, tenho levantado determinadas bandeiras emergenciais e urgentes, com certas dificuldades e oposições, mas com o apoio valioso de corajosos companheiros e companheiras, da área governamental (com um destaco que aqui faço à Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República e sua Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente), da área não governamental (com destaque que igualmente faço à ANCED-DCI, ao Fórum Nacional DCA, ao Comitê de Combate à Exploração Sexual, ao Conselho Federal do Serviço Social, ao Conselho Federal de Psicologia, ao CECRIA, ao VIOLES, dentre outros) e por fim da área multinacional e internacional (agências, organismos da ONU e da OEA e entidades da cooperação internacional). Essas bandeiras refletem nosso engajamento na luta contra as tentativas raivosas de fazerem prevalecer ações e pensamentos protetivo-tutelares de natureza repressiva e assistencialista, em detrimento e em contrariedade a todos os processos políticos, jurídicos e gestionários, de emancipação infanto-adolescente, com o empoderamento identitário desse segmento geracional e com a sua qualificação e co-construção e desenvolvimento de suas naturais capacidades/competências. Nesse sentido é preciso que se os apoiem no processo de desenvolvimento progressivo integral. Os cuidados e responsabilidades do Estado, da sociedade e da família (ampliada e em novos arranjos) devem se harmonizar com a luta pela dignidade, igualdade, liberdade, diversidade e participação protagônica de crianças e adolescentes. Não existem contradições entre os dois pólos do cuidado/responsabilização e da autonomização/participação, quando equilibrados como “proteção integral e emancipação em processo”. Em face disso, assumo com galhardia e convicção a LUTA emblematicamente contra as leis municipais e portarias judiciais que determinam inconstitucionais e ilegítimos “toques de recolher” e “operações de recolhimento”. E contra a prática de "castigos cruéis e degradantes", por exemplo. Esses são emblemas maiores atualmente do retrocesso e do autoritarismo, em nível decididamente simplório e marqueteiro (com manipulações da verdade por parte das midias).


5. Por último, como compromisso mais importante, CREIO que só com um processo de radicalização na construção de uma democracia real no Brasil, com a livre e efetiva participação popular na vida pública e o aperfeiçoamento do sistema representativo entre nós. Só nesse contexto é possível se radicalizar também a luta pela garantia dos direitos humanos de crianças e adolescente, nos termos postos acima.


Petrópolis, dezembro, 02, 2011.
Wanderlino Nogueira Neto
Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público da Bahia
e membro do CEDECA-RIO/ANCED-DCI