domingo, 9 de outubro de 2011

(2) POLITICA NACIONAL DDHH

A POLÍTICA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, O ACESSO À PROTEÇÃO JUDICIAL EFETIVA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS E AS DIVERSAS FORMAS DE CONTROLE SOBRE ESSA POLÍTICA E ESSE ACESSO À JUSTIÇA.

 TESES INSTUCIONAIS DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS CENTROS DE DEFESA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ANCED) - SEÇÃO BRASIL DO DEFENSE FOR CHILDREN INTERNATIONAL (DCI)

Por Wanderlino Nogueira Neto[i]
INTRODUÇÃO

Na formulação, criação, planificação e operacionalização da política nacional de direitos humanos e dos seus programas ou serviços e das suas ações públicas estatais[1] de promoção dos direitos humanos de todas as cidadãs e de todos os cidadãos e especificamente dos direitos humanos de crianças e adolescentes - torna-se imprescindível que essas intervenções estatais sejam postas no contexto geral do atendimento pelas políticas públicas, no seu sentido amplo, isto é, articulada e integradamente, em rede, pelas políticas sociais (saúde, educação e assistência social), pelas institucionais (direitos humanos, segurança pública, relações exteriores, planejamento etc.), pelas infra-estruturantes (transporte, turismo, agricultura, indústria, comércio etc.) e pelas econômicas (fiscal etc.).

Igualmente, essas específicas intervenções de promoção e de defesa/proteção de direitos humanos devem se desenvolver, além do mais, no contexto mais amplo ainda da possibilitação de se acessar o sistema de justiça [2], de maneira suplementar, quando tais direitos humanos gerais ou especificamente infanto-adolescentes forem ameaçados ou violados.

Todavia, para isso é preciso que tais intervenções específicas do Estado ampliado (= governo e sociedade civil organizada) e da sociedade difusa (= comunidades, movimentos etc.), isto é, tudo isso citado seja articulado e integrado, holisticamente, dentro de uma ambiência sistêmica, ou seja, de um meta-sistema estatal e societário de (1) desenvolvimento de políticas, (2) de acesso à Justiça[3] e (3) de controle social e institucional sobre ambos.

Aqui neste texto se quer enfrentar essa questão do tratar o específico, dentro no âmbito geral, tanto da operacionalização das políticas, quanto do acessamento à Justiça; dando-se, todavia um particular destaque estratégico (a) à política de direitos humanos dentre todas as políticas públicas; (b) à proteção jurídico-social dos direitos fundamentais constitucionais e (c) ao controle social sobre essas duas linhas específicas.

Primeiro pela falta ainda de clareza com que Estado e sociedade ainda vêem, no Brasil, a questão dos direitos humanos. E segundo pela real importância dessa política específica e autônoma, em nosso caso, com seu papel de mobilização social, de sensibilização de pontos-focais (incidência/advocacy), de construção de parcerias (articulação/integração), de empoderamento de público-destinatário e de potencialização de outras macro-estratégias institucionais. E terceiro pela clara necessidade de se advogar permanente, sistemática e continuamente com eficácia/impactos e eficiência/resultados, em favor da qualificação do acesso à Justiça, para garantia efetiva minimamente dos direitos fundamentais constitucionais[4] - com absoluta prioridade - de crianças e adolescentes que sofram ilegítimas e ilegais limitações em seus direitos, no âmbito de todas as demais políticas públicas e no seu acesso á Justiça, quando necessário for.

Não deve ser absolutamente a política de direitos humanos e a judicialização da proteção a direitos fundamentais violados ou ameaçados, as únicas formas de monopolisticamente tratar do assunto da garantia dos direitos humanos.  Mas a política de direitos humanos e a judicialização das negações dos direitos humanos devem ser instrumentos imprescindíveis de potencialização da ação do Estado e da sociedade nesse campo, ao erigir os direitos fundamentais constitucionais (e amplamente os direitos humanos) promovendo-os e os defendendo, sob formas diversas de controle público.

Em face disso, a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) balizou sua ação a partir do que se convencionou chamar de “teses e pronunciamentos”, que consagram os paradigmas, princípios e diretrizes institucionais, discutidos e aprovados em suas assembléias gerais, a partir de textos-bases elaborados por seus membros que atuaram nas oportunidades como relatores.

A POLÍTICA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E SUA INCIDÊNCIA SOBRE AS CRIANÇAS E OS ADOLESCENTES

Dentro no amplo “sistema garantia de direitos humanos da criança e do adolescente[5] (visto atrás como parte de um meta-sistema de garantia, promoção e proteção/defesa de direitos humanos, em geral [6]), há que se desenvolverem políticas públicas, que abranjam ações variadas (programas e serviços) em favor da criança e do adolescente: políticas de educação, saúde, assistência social, trabalho, cultura, relações exteriores, segurança pública, planejamento e orçamentação, promoção de direitos humanos etc.

Mas o Estatuto citado, no caput [7] do seu artigo 86 e nos incisos I a V do artigo 87, estabelece para o efeito dessa lei (isto é, para assegurar a “proteção integral”, na forma do seu artigo 1º) que será instituída uma mal chamada "política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente" ou política de garantia, promoção, proteção/defesa de direitos humanos de criança e de adolescentes[8], que passou a integrar o âmbito geral da política nacional de direitos humanos[9], quando ela foi mais claramente formulada e melhor explicitada no Brasil: o artigo 3º do Estatuto diz que crianças e adolescentes “gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”, ou seja, de todos os direitos humanos positivados pela ordem jurídica brasileira. Maior clareza seria preciso?

Essa política citada, estrategicamente, cortará, de maneira transversal (multidisciplinar, inter-setorial e multiprofissionalmente), todas as políticas públicas: infra-estruturantes[10], institucionais[11], econômicas[12] e sociais[13]). Cabe a ela reforçar a idéia de que a satisfação das necessidades básicas, dos interesses e dos desejos, por qualquer dessas políticas públicas, antes de tudo é um direito do cidadão-criança e do cidadão-adolescente e ao mesmo tempo um dever do Estado, da família e da sociedade.

Essa deverá ser uma política estratégica e não estritamente operacional de atendimento direto, ou seja, na verdade uma política que desenvolverá ações afirmativas em favor dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, incidindo sobre todas as políticas públicas sem limites de abrangência. E será, além do mais, uma política que desenvolverá ações de proteção de direitos, quando ameaçados ou violados, facilitando e qualificando o acesso à Justiça em favor desse segmento infanto-adolescente.

Esta é uma política de direitos humanos que deverá se desenvolver, quando formulada/normalizada e planificada mais aprofundadamente, através três linhas estratégicas essenciais (sem prejuízo de outras que a análise da situação, que a conjuntura aponte):

  • A primeira linha deverá ter um caráter de atendimento inicial, direto, integrado, emergencial e ao mesmo tempo alavancador/fomentador da efetivação dos direitos fundamentais e conseqüentemente da inclusão preferencial de seus beneficiários (vítimas de violações de direitos), tanto nas políticas públicas no âmbito do Executivo, quanto nas políticas de acesso á Justiça[14] no âmbito do Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública; como, por exemplo, os programas, serviços e ações de:
(a) proteção de vítimas e testemunhas;
(b) atendimento inicial integrado, acautelamento inicial e internação provisória de adolescentes em conflito com a lei;
(c) combate à sub-notificação no registro civil das pessoas naturais;
(d) enfrentamento do abuso e exploração sexual;
(e) observatório de violações de direitos (gerenciamento de dados e informações).
  • A segunda linha (a mais importante!) atua indiretamente através de ações de mobilização social, de advocacy e de outras ações estratégicas[15], em favor dos direitos fundamentais (direitos humanos positivados), incidindo sobre a formulação das demais políticas e a coordenação/execução dos serviços, programas e ações dessas políticas todas, no âmbito do Executivo[16].
  • A terceira linha atua indiretamente, também, através de ações de mobilização social, de advocacy e de outras ações estratégicas, em favor dos direitos fundamentais (idem), incidindo sobre a formulação da política judicial e público-ministerial e sobre a coordenação e execução de seus serviços, programas e ações, no âmbito do Sistema de Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público etc.)
Em todas essas três linhas, o fulcro central das ações dessa mencionada política de direitos humanos infanto-adolescentes está, por exemplo, no assegurar que os paradigmas ético-políticos e os princípios jurídicos dos direitos humanos (genérica e especificamente) tenham prevalência, ou seja, tenham efetividade sócio-política e eficácia jurídica: dignidade humana, liberdade, diversidade/pluralidade, igualdade, universalidade, integralidade, não discriminação, prevalência do superior interesse da criança, participação proativa da criança, defesa (ou “proteção especial” )[17] em casos de violação de direitos, prioridade no atendimento etc. 

Deve ser do escopo dessa política citada, por exemplo, que o princípio do superior interesse da criança/adolescente (CF, CDC e Estatuto) tenha prevalência, efetividade política e eficácia jurídica, concretamente, na real e absoluta priorização do seu atendimento pelo Estado, sociedade e família, por exemplo, no processo de orçamentação pública (elaboração e execução do Orçamento Público).

Assim também, em outro exemplo: essa citada política de direitos humanos infanto-adolescentes igualmente deverá desenvolver ações afirmativas em favor da igualdade material de todas as crianças e adolescentes, promovendo o respeito a sua diversidade de gênero, raça/cor, etnia, orientação sexual. E além do mais protegendo esse público, quando submetido às inúmeras formas de discriminação negativa (e de exploração e violência, decorrentes). 

Mais um exemplo, desta vez tocando no coração da nova normativa internacional sobre direitos da criança (CDC): tal política citada finalmente deverá desenvolver ações em favor do direito à participação proativa de crianças e adolescentes, isto é, do seu direito de ser ouvido e de ter sua opinião considerada, na medida do seu grau de maturidade (cfr. CDC), indo além da mera metodologia do “protagonismo juvenil” para se alcançar a essência desse princípio jus-humanista.

Por fim, essa política de direitos humanos em favor de crianças e adolescentes deveria ter sua efetividade assegurada e operacionalização qualificada e aperfeiçoada, através de determinados espaços “governamentais e não governamentais” (ou instâncias públicas) e de específicos mecanismos de acompanhamento, avaliação e monitoramento, isto é, através do controle social-difuso (pela sociedade civil organizada, especialmente, via seus fóruns, comitês e das próprias expressões organizativas do movimento social isolada e diretamente) e também do controle institucional (pelos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, pelo Ministério Público, pelo Parlamento, pelos Tribunais de Contas etc.).

Essas instâncias públicas e esses mecanismos de controle (acompanhamento, avaliação & monitoramento), dentro do amplo sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente, têm campos de atuação dos mais importantes, mas na verdade estão sendo pouco explorados, pela maior parte dos órgãos governamentais, das entidades sociais (especialmente através de seus fóruns) e dos próprios conselhos. Exemplificando: o controle do desenvolvimento da própria política de direitos humanos, através do cumprimento do disposto no parágrafo único do art. 90 e no caput do artigo 91 (Estatuto cit.), que trata do registro de entidades sociais e do registro de programas governamentais e não governamentais, pelos conselhos municipais dos direitos.

Outro exemplo: a montagem do chamado "Orçamento-Criança" e a partir daí o acompanhamento-monitoramento tanto da elaboração orçamentária, quanto da sua execução. Mais: o acompanhamento do funcionamento dos programas socioeducativos (unidades de internação e semiliberdade, unidades de acautelamento inicial, programas de liberdade assistida). Idem, quanto a entidades de acolhimento institucional etc.

Realmente na formulação geral da política de direitos humanos (e, portanto dos programas e serviços de enfrentamento da exploração sexual) há que se disciplinar a questão da gestão publica e do financiamento dessa política e seus programas/serviços, especialmente. Todavia, isso se fará numa visão estratégica e não operacional – no mapeamento das fontes de financiamento possíveis e disponíveis e no estabelecimento, por exemplo, de diretrizes gerais, para o financiamento dessa política pelo orçamento público e, portanto pelos fundos públicos pelos direitos da criança e do adolescente (FIA - Estatuto). Este último, com seu funcionamento já regulamentado por Resolução do CONANDA e que deverá ter essa norma regulamentar revista, reformada e adaptada aos novos planos (geral e específicos), em elaboração.

NATUREZA E CARACTERISTICAS DA POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O Estatuto prevê, no seu artigo 86, o desenvolvimento de uma "política de atendimento de direitos da criança e do adolescente”, ou melhor dito, como se viu atrás: uma política de direitos humanos para a criança e o adolescente, dentro do campo maior da política nacional de direitos humanos.

Obviamente, não se trata aqui de nenhuma política setorial, como, por exemplo, as políticas sociais setoriais básicas (educação, saúde, assistência social etc.). Mas sim de uma política institucional autônoma, de caráter inter-setorial, a cortar transversalmente todas as demais políticas públicas sociais (educação, saúde, assistência social, por exemplo), institucionais (defesa do Estado, relações exteriores, segurança, por exemplo), econômicas (cambial, crédito, monetária, por exemplo) e infra-estruturantes (transporte, comunicação social, agricultura, indústria, energia, turismo, portuária, saneamento básico, por exemplo).

Essa política institucional citada teria o condão – através de suas instituições (instâncias públicas) de formulação, coordenação, execução e controle (interno) e dos seus mecanismos político-administrativos – de garantir, defender/proteger e promover, como direitos constitucionais fundamentais (i.é., direitos humanos geracionais de crianças e adolescentes), certos direitos reconhecidos de modo geral pela Constituição Federal (arts. 21 a 24), para fins de sua normatização regulatória: ou seja, direitos consagrados no campo de quaisquer das políticas públicas. Segundo a Constituição Federal brasileira, os direitos fundamentais são direitos de hierarquia superior, consagrados em normas-princípios auto-aplicáveis, acima das normas-regras prevalentes na legislação infraconstitucional.

Dessa maneira, é realmente absurda a confusão que muitos ainda fazem entre essa política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos ("política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente" - Estatuto e conselhos dos direitos, citados) e a política de assistência social, por exemplo. Puro ranço de antigas doutrinas científicas (p.ex., a doutrina da situação irregular, entre nós no cone sul latino-americano), de revogadas legislações (p.ex., o revogado Código de Menores) e de políticas assistencialistas-repressoras (p.ex. a do Bem-Estar do Menor, nas quais o tutelarismo era seu mais importante pilar. Só que a atual política de direitos humanos se firma na doutrina jus-humanista, também chamada entre nós de “doutrina da proteção integral" [18]. E, ao mesmo tempo, a política de assistência social constrói um novo caminho de negação do clientelismo, do "primeiro-damismo", do assistencialismo, do focalismo. Novos paradigmas para ambas, mas, que só confirmam a autonomia de cada uma. 

Alguns desavisados querem reduzir simplesmente o Estatuto, sua política de direitos humanos e os conselhos dos direitos da criança e do adolescente a meras "especializações" da Lei Orgânica da Assistência Social, da sua política decorrente, do seu sistema único e dos seus conselhos setoriais. Como se os primeiros tratassem apenas de um setor da assistência social: o das crianças e adolescentes socialmente vulnerabilizados ou em situação de risco pessoal e social.

Ora, o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite tal visão corporativa, reducionista e equivocada da natureza e da abrangência da ação da política que institui e dos conselhos dos direitos. Na verdade, não se trata de um ter prevalência sobre o outro ou concorrer com o outro. E sim realmente de natureza e abrangência. Os conselhos inter-setoriais (como os dos direitos da criança, da mulher, da igualdade racial, das pessoas com de deficiência etc.) têm uma natureza diversa de relação a qualquer dos conselhos setoriais (saúde, educação, assistência social). Mas, não uma importância ou abrangência maior, pois suas funções são bastante díspares, sem confusão, superposição e concorrência.  Em que dispositivos seus a Lei Orgânica da Assistência Social teria revogado expressa e implicitamente o Estatuto da Criança e do Adolescente para que se possa assegurar que não existe espaço hoje para a formulação de uma política autônoma de garantia, promoção e proteção de direitos humanos da criança e do adolescente? Ou olhando-se de outro prisma, será que o atual Programa Nacional de Direitos Humanos (III) deverá ser entendido absurdamente como parte integrante da Política de Assistência Social?

Programas de proteção a clientelas específicas existem em qualquer das políticas sociais. Inclusive e principalmente no campo da política de assistência social, como os programas de proteção social de crianças e adolescentes vulnerabilizados e em risco social, por exemplo. Mas, programas, serviços, ações e atividades não se confundem com políticas, no seu sentido amplo e puro – e sim as integram como partes. Por exemplo: toda e qualquer forma de exploração laboral da criança e do adolescente[19] deverá se prevenida e erradicada (ou proibida e eliminada imediatamente, conforme o caso), através de serviços/atividades e programas/projetos de proteção especial de direitos da política de garantia, promoção, proteção de direitos humanos, articulados e integrados, com programas/projetos e serviços/atividades das políticas de saúde, de educação, de cultura, de assistência social, de proteção no trabalho, de segurança pública, de agricultura, das relações exteriores etc. etc. A erradicação do trabalho infantil no Brasil não é uma questão puramente de assistência social. Mas, o é também.

A mesma coisa se aplica ao enfrentamento de todas as formas de violência sexual, ou seja, do abuso á exploração sexual. Não se trata apenas da política sócio-assistencial atuando de maneira inter-setorial: é mais que isso. É preciso que todas as demais políticas públicas elas também atuando inter-setorialmente, mas a partir de suas próprias competências, mantenham programas e serviços próprios para o atendimento direto a crianças e adolescentes explorados sexualmente, por exemplo. E que a política de direitos humanos exerça sua função estratégica de incidir sobre todos esses serviços, programas e ações públicas, para promover e defender/proteger os direitos sexuais de crianças e adolescentes, sob a ótica dos paradigmas ético-políticos e dos princípios jurídicos dos direitos humanos – dignidade, liberdade, diversidade identitária, igualdade formal e material, participação proativa, não discriminação, prevalência do superior interesse e prioridade absoluta no atendimento, proteção judicial efetiva dos direitos fundamentais etc.

No passado, depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o governo federal especificamente entregou a coordenação dessa política institucional e intersetorial de garantia, promoção, proteção de direitos da criança e do adolescente (a mal chamada “política de atendimento de direitos”), à Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência – CBIA, vinculada ao Ministério do Bem Estar Social, que a entendia como “política de proteção especial”. A vinculação do CBIA ao Ministério do Bem Estar Social, naquela época, tinha certo ranço do "velho regime": um órgão novo, com responsabilidades renovadoras de mudança de paradigmas (e que a isso se propunha e que estava alcançando realmente antes de sua extinção...), preso, ainda que formal e institucionalmente, ao modelo assistencial-tutelar do passado. E, por sua vez, nidificou-se com propriedade o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, responsável pela formulação e controle dessa política (ou do que se chamava pretensiosamente à época de “políticas para a infância e adolescência”), na Presidência da República; reforçando, com isso, a natureza de sua inter-setorialidade, ao fazê-lo responsável pela concertação nacional em favor da efetivação dos direitos fundamentais infanto-adolescentes.

Posteriormente, com a apressada extinção da Fundação CBIA, o CONANDA foi vinculado ao Ministério da Justiça, responsável pela "política de defesa da cidadania". E nesse Ministério de Estado se criou o Departamento da Criança e do Adolescente - DCA, na estrutura da Secretaria Nacional da Cidadania, transformada depois em Secretaria Nacional dos Direitos Humanos; ficando esse órgão responsável pela coordenação, em nível nacional, dessa política de garantia, promoção e defesa/proteção dos direitos humanos da infância e da adolescência, como definia o primeiro Plano de Ação do DCA-MJ, aprovado pelo CONANDA.

Atualmente, toda a política de direitos humanos foi deslocada, em boa hora, para a Presidência da República, sob a responsabilidade direta de uma Secretaria de Estado (mais estratégica que operacional), em nível de Ministério Extraordinário: a Secretaria dos Direitos Humanos, com sua especializada Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente. Essa é uma vitória que não pode ser abandonada, quando se pretende formular e planejar a política específica de direitos humanos para a infância e adolescência, evitando-se a pretensão equivocada de se pensar esse campo das políticas pública fora do campo da política de direitos humanos e mais equivocadamente de se pensar em uma por demais ampla e amorfa “política para a (da) criança e o adolescente”, de maneira ampla demais, invadindo indevidamente o campo das políticas setoriais ,tentando-se criar corporativamente uma pretensiosa e alienadora política de clientela, como no passado.

Nas esferas estaduais e municipais, o nicho institucional dessa política dos direitos humanos (tanto a geral para todos os cidadãos, quanto á especial para crianças/adolescentes) varia de um lugar para outro. Em uns, está nidificada em Secretarias de Ação Social, de Desenvolvimento Social, de Solidariedade Humana, de Assistência Social e até de Educação. Em outros Estados, em Secretarias de Justiça ou de Segurança Pública – algumas poucas. Em outros raros, diretamente vinculadas ao Chefe do Poder Executivo – Casa Civil, Gabinete do Governador. E finalmente no caso do Paraná e do Distrito Federal há uma Secretaria de Estado exclusiva para a área. Esse quadro é mais predominante na esfera estadual, pois na esfera municipal a situação é vergonhosa! Os municípios brasileiros, de maneira geral, ignoram redondamente a promoção e defesa/proteção de direitos humanos, criando-se assim sérias limitações para que os órgãos federais e estaduais dessa área tenham pelo menos interlocutores visíveis e minimamente qualificados, para a implementação da política nacional de direitos humanos.

A primeira solução, em determinadas Unidades Federativas e em alguns municípios de grande porte, em certos momentos, tem levado ao risco de confundir a política de direitos humanos com a política de assistência social, de maneira reducionista, desprezando a perspectiva dos paradigmas ético-políticos e dos princípios jurídicos jus-humanista; como, por exemplo, (a) a priorização absoluta no atendimento de determinado segmento populacional em função de sua situação jurídica, (b) a instituição de ações afirmativas ou discriminações positivas na operacionalização das políticas públicas (princípio da igualdade material); (c) a multidisplinaridade, a intersetorialidade, o multiprofissionalismo e o multiculturalismo; (d) a exigibilidade preferencial dos direitos fundamentais em aparente conflito as demais normas-regras jurídicas. O equívoco, nesta hipótese, estará no se transformar essa política de direitos humanos[20] em um mero ramo especializado da política de assistência social: os conselhos desta última seriam "conselhos de política pública”, enquanto os conselhos dos direitos da criança e do adolescente seriam apenas "conselhos temáticos" (?). Essa distorção pode nos levar aos tempos da "Política do Bem Estar do Menor", em boa hora extinta (Sistema FUNABEM-FEBEM). 

A segunda experiência de nidificação em Secretarias da Justiça e Cidadania (ou de Segurança Pública) tem o perigo de fazer repetir modelos do passado (Sistema SAM-SEAM) de triste memória, onde a questão dos "menores abandonados e delinqüentes" era uma questão de segurança e seu atendimento se fazia de maneira assemelhada ao atendimento prisional: as Secretarias de Justiça estaduais, ainda não conseguiram construir uma prática real de "defesa da cidadania", como se propõem, apesar do nome mais das vezes e das boas intenções. Seu quadro de pessoal tem razoável competência (e inclusive os vícios também) no trabalho com determinadas linhas tradicionalmente suas:  trabalhar na articulação política do Poder Executivo com os Poderes Legislativo e Judiciário, com o Ministério Público, com os Poderes municipais e com a Sociedade (quando isso não perderam para a Casa Civil ou Secretarias de Governo, em alguns Estados), no trabalho de supervisão geral de órgãos como as Ouvidorias Gerais e as Defensorias Públicas (quando não assumem sua autonomia constitucional), principalmente no trabalho de administração do sistema prisional. Quando não, em determinadas situações, funcionam em conjunto com a Segurança Pública – pior ainda!  Vencendo esses obstáculos nascidos da mistura de atividades em princípio contrastantes, esse modelo poderia em tese produzir bons frutos, se elas se tornassem muito mais órgão coordenador da política de direitos humanos prevalentemente, do que a tentativa de levar para dentro das tradicionais Secretarias de Justiça, herdeiras das Secretarias do Interior e Justiça do passado (mutatis mutandi, do tradicional Ministério da Justiça).

O ideal parece ser a nidificação dessa área de direitos humanos nas Governadorias, aos moldes do modelo federal, pelas razões que justificaram a criação de uma Secretaria de Direitos Humanos, com status de Ministério, subordinada diretamente ao Presidente da República (em nível estadual, então, vinculada ficaria ao Governador do Estado) – pelo menos, em tese.

Entretanto, conjuntura local dirá qual a melhor vinculação administrativa, levando-se em conta uma série imensa de variáveis: de qualquer maneira, a melhor solução está na vinculação a um Ministério, Secretaria estadual ou municipal ou outro órgão público (a) que a reconheça como política autônoma; (b) que a reconheça como política de direitos humanos e não “política de clientela”; (c) que tenha maior abertura para a inter-setorialidade, com maior capacidade de articulação interinstitucional; e (e) que tenha realmente força política (poder/prestígio) para incidir tanto nas políticas públicas de modo geral, como na política judicial e público-ministerial.

Mapeando-se essa nidificação institucional dos programas, serviços e ações de atendimento a crianças e adolescentes em situação de exploração sexual, numa matriz institucional, melhor se compreenderá e avaliará o quadro no Brasil, pois nem isso se tem no país de maneira atualizada, no momento.

OPERACIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

 Tanto os (A) programas e serviços específicos de socioeducação (cumprimento de medida-sanção judicial) de adolescentes em conflito com a lei, quanto os (B) programas de proteção especial ou de defesa de direitos humanos de crianças e adolescentes credores de direitos - ambos são dirigidos a público-alvo e a situações próprias, que os distinguem dos programas de proteção de outras políticas públicas (por exemplo, os programas de proteção sócio-assistencial para crianças e adolescentes em situação de risco ou socialmente vulnerabilizados, típicos da política de assistência social).

Os programas, serviços e as ações públicas de defesa ou proteção especial de direitos humanos para crianças e adolescentes se dirigem a todo o segmento infanto-adolescente que tenha seus direitos ameaçados ou violados (art.98 – Estatuto citado) – são eles universais e focalistas, a um só tempo!

Não é uma situação social (vulnerabilidade social, carência etc.) que justifica a intervenção desses programas/serviços previstos no Estatuto e sim uma situação jurídica: isto é, o não reconhecimento e não-garantia de direitos fundamentais nas áreas elencadas anteriormente exemplificativamente da educação, da saúde, da assistência social, da cultura, do lazer, do trabalho, do trabalho.

O Estatuto discrimina exemplificativamente, nos inciso I a VII do artigo 87[21], alguns tipos de programas e serviços socioeducativos (adolescentes em conflito com a lei) e protetivos específicos de direitos humanos (crianças e adolescentes credores de direitos), a serem normalizados, criados e mantidos[22], no âmbito dessa política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos infanto-adolescentes (ou não!), por outras leis subseqüentes[23] e outras normas operacionais básicas federais, estaduais e municipais.

E no artigo 90, o Estatuto fala em “regimes” para a “manutenção por entidades de atendimento”, de “programas de proteção e socioeducativos” (sic), ou no âmbito da política de garantia, promoção e proteção de direitos humanos da criança e do adolescente ou no âmbito de qualquer outra política pública (assistência, social, educação, segurança pública, cultura?), a depender de leis orgânicas e atos administrativos reguladores posteriores:
  • Liberdade assistida
  • Semiliberdade
  • Internação;
  • Orientação e apoio sócio-familiar;
  • Apoio sócio-educativo em meio aberto;
  • Colocação familiar;
  • Acolhimento institucional[24] (antigo regime de abrigo
Numa discutível redação técnico-legislativa, o Estatuto confusamente discriminou esses citados regimes, serviços e programas de maneira tal que se poderia presumir que estava instituindo e criando organicamente serviços e programas de uma política determinada, mal chamada por ele de “política de atendimento de direitos” (sic). Isso se presumiria se estivéssemos fazendo uma mera interpretação gramatical dos seus dispositivos referentes a essa citada política (arts. 86, 87 e 90). Mas, em se fazendo uma devida interpretação sistemática e teleológica dessas normas citadas (como determina o art. 6º do Estatuto) dever-se-á entender que ali naqueles dispositivos examinados se está apenas apontando exemplificativamente áreas de intervenção para essa “política de atendimento de direitos”, ou dito melhor, para essa política de garantia, promoção e defesa/proteção de direitos humanos em favor de cada criança e cada adolescente.

Observe-se que o Estatuto dispõe sobre a “proteção integral de crianças e adolescentes”, como estabelece o seu artigo 1º, editado com base no permissivo do inciso XV do artigo 24 e no §1º do citado artigo da Constituição Federal que diz competir à União legislar (concorrentemente com os Estados Federados e com o Distrito Federal) através “normas gerais” sobre “proteção da infância e juventude”. E a Constituição Federal faz distinção entre (a) regular direitos, legislando sobre eles diretamente (artigos 21 e 24 da CF)[25] e (b) regular direitos, legislando sobre diretrizes, bases e a organização em sistemas de determinadas políticas públicas (in ibidem)[26]

A partir desse entendimento, examine-se o artigo 87 e seus incisos: o Estatuto estaria realmente criando e organizando aqueles “serviços” mencionados nos seus incisos III a V e aquelas “políticas” mencionadas nos seus incisos I e II? Ora, as políticas sociais citadas nos incisos I e II já eram pré-existentes e deveriam ser reguladas por leis orgânicas próprias, como foram (LOS, LOAS, LDB etc.). Em verdade no citado dispositivo se queria dizer que competia à política especial prevista no artigo 86 incidir sobre tais políticas sociais, para ali, no interior delas – como uma linha estratégica - garantir, promover e proteger/defender os direitos fundamentais de criança e adolescentes. Do mesmo modo: os serviços especificados nos incisos III a V igualmente já pré-existiam no campo de outras políticas e lá encontravam sua nidificação (a localização de desaparecidos, por exemplo, na segurança pública) e ali se queria dizer a mesma coisa dita de relação aos incisos I e II. 

Com uma posterior formulação e normalização dessa política de direitos humanos para crianças e adolescentes esses serviços, programas e serviços deveriam ser criados concretamente, ou no bojo dessa política, como forma de atendimento direto ou no bojo de qualquer outra política, nesse último caso sujeito esta à incidência externa da política de direitos humanos (direitos fundamentais) para crianças e adolescentes.

Assim, se normatizou/formulou/planejou, por exemplo, na área da assistência social, onde depois de editada a Lei Orgânica da Assistência Social, posteriormente por atos normativos deliberativos do Conselho Nacional de Assistência Social foi formulada essa política (Resolução 145/2004) e foi mais instituído e regulamentado o Sistema Único da Assistência Social – SUAS. E de igual maneira se procedeu na área da saúde, da educação, da segurança pública etc.

Os programas e serviços de proteção especial (ou defesa) de direitos humanos, de modo geral, são vistos por MESQUITA NETO[27] como "ações que visam prevenir a ocorrência de violações de direitos humanos, direcionadas à população em geral, a grupos de pessoas especialmente vulneráveis a essas violações ou a grupos de pessoas que já foram vítimas dessas agressões. São ações que visam prevenir a ocorrência de violações de direitos humanos antes que elas aconteçam ou atender às vítimas imediatamente após a ocorrência das violações ou no longo prazo que devem ser preservados e fortalecidos." Tal característica deverá ter os serviços e programas de defesa (proteção especial) dos direitos humanos geracionais.

Esses serviços e programas específicos deveriam ser, em primeira instância, numa primeira linha estratégica (mas não única!), a depender da necessidade conjuntural, como "centros integrados de atendimento inicial" dirigidos à população infanto-adolescente, numa linha preventiva e de atendimento emergencial, precário e encaminhador, funcionando inclusive e principalmente como "retaguarda" para os conselhos tutelares e varas da infância e da juventude (e os órgãos do Ministério Público, da Defensoria Pública). Seus operadores são basicamente "defensores de direitos humanos", qualquer que seja sua formação acadêmica e profissional.  São esses serviços e programas de proteção especial os preferenciais "provedores/portais” da rede de atendimento direto, na ampla ambiência sistêmico-holística do Sistema de Garantia dos Direitos Humanos, ao lado dos conselhos tutelares e dos órgãos do Ministério Público. Através deles e após um trabalho integrador e preparatório, as crianças e adolescentes, adjetivados de alguma forma por suas circunstâncias de vida (explorados ou abusados sexualmente, em situação de rua, soropositivos, torturados, vítimas de maus tratos, narcotraficantes, abandonados, drogaditos, explorados no trabalho etc.) poderão ser encaminhados a serviços e programas das políticas sociais básicas e/ou de certas políticas institucionais e econômicas, como "sítios-eletrõnicos” de uma "rede virtual" para a atenção integral à população infanto-adolescente. Nestas características apontadas, certamente estão a essencialidade e o diferencial dos programas e serviços de proteção especial, de relação aos serviços e programas das demais políticas públicas que podem incidir sobre essas crianças e adolescentes credores de direito, concorrente e superpostamente. 

O Estatuto, por ser norma nacional e geral de proteção integral de direitos, pouco detalhou a respeito, apenas rotulando os serviços e programas em questão, deixando, portanto para que leis federais, estaduais e municipais e suas decorrentes normas administrativas regulamentadoras (NOB) os criassem, definindo seu campo de atuação e suas atribuições.

Em outra linha estratégica de atuação, a política de direitos humanos para crianças e  adolescentes[28] (obviamente como o faz genericamente a política de direitos humanos de relação a toda a pessoa humana) deve fomentar, facilitar, articular a inclusão de seu público-alvo de credores de direitos, a partir daqueles seus serviços e programas específicos de proteção especial (primeira linha estratégica, atrás analisados), nos programas e serviços das demais políticas públicas, especialmente das políticas sociais básicas: educação, saúde, assistência social, trabalho, previdência, segurança pública, cultura, desporto etc.

Assim sendo, a política de direitos humanos e seu decorrente sistema político-institucional lançam seu público de crianças e adolescentes credores de direitos e de adolescentes em conflito com a lei - ad intra - aos braços dos “cuidadores”, operando nos seus serviços e programas de proteção especial (premial) e de socioeducação (sancionatória).

Entretanto, essa missão da política de direitos humanos de garantir a inclusão privilegiada e acompanhada nos serviços e programas das demais políticas públicas, na prática cotidiana, sofre algumas ambigüidades: algumas vezes, essa política de direitos humanos para a criança e do adolescente é vista apenas como mera articulação das políticas sociais (garantir acesso à escola, por exemplo), outras vezes, ela é reduzida aos seus programas de defesa de direitos ou proteção especial (acolhimento institucional, por exemplo) ou socioeducativos (internação, por exemplo).

O ideal é se assegurar que ela (como toda política em favor de Direitos Humanos) tem como missão última o asseguramento do acesso qualificado de seu público a quaisquer dos serviços e programas de todas as políticas públicas, inclusive das políticas judiciais. E ao mesmo tempo, para isso atingir como ponto-ômega, essa política aqui em foco precisa da institucionalização e manutenção dos seus serviços e programas específicos, quando criados, numa linha nitidamente estratégica.

Assim, poder-se-ia apresentar como áreas estratégicas para a formulação e planejamento da política de garantia, promoção e proteção dos direitos da criança e do adolescente, algumas das inúmeras indicações – por exemplo – contempladas no “Relatório da Sociedade Civil sobre a Situação dos Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil[29]; tanto referentes especificamente ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescentes[30] (por exemplo, “implementação de programas oficiais de proteção a testemunhas e vítimas de crimes contra crianças e adolescentes”, “criação de unidades de internação provisória em espaço físico de das unidades de internação provisória”) , quanto referentes genericamente aos sistemas de educação e de saúde[31] (por exemplo, “investimento em programas de nutrição infantil, com ênfase ma faixa entre 12 e 60 meses”, “fortalecimento do acompanhamento e do controle social da totalidade dos recursos destinados à educação”).

Em ambos os casos, se estaria procurando operacionalizar a política de direitos humanos para a criança e o adolescente, em suas linhas estratégicas de ação, na forma do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Convenção sobre os Direitos da Criança e da Constituição Federal.

EM SÍNTESE

Falar-se hoje em política de (garantia, promoção e proteção) direitos humanos para crianças e adolescente tem um novo sentido. Ou seja, acentua-se com isso a vinculação das suas normas reguladoras e do seu sistema político-institucional de efetivação dessas normas, aos instrumentos e mecanismos, gerais e especiais, internacionais, regionais[32] e nacionais, de garantia, promoção e proteção/defesa de direitos humanos.

Significa a assunção de um compromisso maior com a ótica do direito internacional dos direitos humanos e do direito constitucional (direitos fundamentais) brasileiro; afastando a tentação de desvincular o movimento de luta pela emancipação de crianças e adolescentes, do movimento maior pela emancipação dos cidadãos em geral, especialmente dos "dominados", em especial: trabalhadores, empobrecidos, mulheres, negros, população sem-terra e sem-teto, lésbicas e homossexuais, transgêneros, índios, descapacitados e pessoas com deficiência, pessoas que vivem com HIV, ciganos, loucos, delinqüentes, nordestinos, quilombolas, surdos, ribeirinhos amazônicos, moradores de favelas, segmentos LGBTT etc.

É preciso retirar a criança e o adolescente do nicho de sacralização e idealização e da demonização, no qual muitas vezes nosso discurso e nossa prática os entroniza ou condena, para lutar mais concreta e criticamente pela retirada deles, portanto dos círculos do éden ou do inferno a que estão condenados, como anjos glorificados ou como anjos decaídos. Essa dicotomia perversa mais se acentua quando estamos falando sobre crianças e adolescentes que sofrem explorações sexuais, isto é, que têm seus direitos sexuais ameaçados ou violados.

Petrópolis, fevereiro, 2011.
Wanderlino Nogueira neto



[1] Governamentais e (ditas) não governamentais
[2] Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública (e outras procuraturas sociais, como a advocacia, entidades de defesa de direitos humanos, Polícia Judiciária, Polícia Técnica, Conselhos Tutelares (e outros contenciosos administrativos) etc.
[3] Aqui em um sentido mais amplo de acesso ao Valor-Justiça e não mera e reducionistamente de acesso ao Judiciário ou mesmo ao mais amplo Sistema de Justiça (judiciário, ministério público, defensoria pública, p.ex.).
[4] Direitos humanos positivados numa determinada ordem jurídica nacional
[5] Resolução 113 / Conanda
[6]Ambiência sistêmica ou sistema holístico” (NOGUEIRA NETO, Wanderlino) e “sistema autopoiético” (LUHMANN, Nikil).
[7] Caput (latim) = cabeça
[8] Na formulação dada pelos estudos preliminares para a planificação decenal dessa política, para, que se desenvolvem desde 2009, no âmbito do Conanda, material agora, em 2010, sob consulta pública
[9] Cfr. Programa Nacional de Direitos Humanos – I, II e III
[10] Agricultura, Indústria, Comércio, Transporte etc.
[11] Segurança Pública, Direitos Humanos, Defesa do Estado etc.
[12] Fiscal, Cambial etc.
[13] Educação, saúde, previdência social, assistência social etc.
[14] Conferir, Emenda Constitucional 45: Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, como formuladores dessa política judicial e público-ministerial.
[15] Monitoramento, apoio institucional, construção de competências (formação), empoderamento, parcerizações (articulações & integrações)
[16] Originalmente pelos conselhos setoriais de políticas públicas e pelos seus órgãos próprios de execução: por exemplo, Sistema Único de Assistência Social – SUS, Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS e sua Secretaria de Assistência Social, em nível federal.
[17] Conferir, CDC – Convenção sobre os Direitos da Criança
[18] Esta não se trata propriamente de uma doutrina científica disciplinar ou multidisciplinar sistematizada, mas sim de uma construção teórica usada para nela se firmar o objetivo da norma (“esta lei dispõe sobre (...)”), e como chave hermenêutica (sentido teleológico) para a exegese/interpretação de toda normativa internacional e nacionais, construída na América Latina principalmente como fruto das estratégias de mobilização social, de advocacy e de construção/desenvolvimento de capacidades e competências  (formação) do UNICEF, especialmente no Brasil e na América Latina e em O Caribe, via seu escritório regional (TACRO).
[19] Trabalho precoce, trabalho doméstico, prostituição, narcotráfico, trabalho noturno, trabalho perigoso, insalubre e penoso, trabalho escravo etc.
[20] Tanto a geral em favor de cada cidadão, quanto as especiais em favor de crianças, idosos, jovens, mulheres, afro-descendentes, indígenas, segmentos LGBTT, ciganos, pessoas com deficiência etc.
[21] Nova redação dada pela lei federal 12.010 de 2009, incluindo-se os incisos VI e VII.
[22]“Programas específicos” - Art.88, III – ESTATUTO
[23] Leis orgânicas
[24] Nova redação dada pela lei federal 10.012/2009.
[25] Direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, do trabalho, tributário, financeiro, penitenciário, proteção ao patrimônio histórico,
[26] Educação, cultura, previdência, seguridade social, defesa, transporte etc.
[27] MESQUITA NETO, Paulo de. 2002. "Segundo Relatório Nacional sobre os Direitos Humanos"
[28] Insistindo na lembrança: a mesma coisa que “política de atendimento de direitos” – cfr. art.86 – Estatuto cit.
[29] Relatório apresentado ao Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas (Genebra), pela ANCED, com a adesão do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – DCA e de outras entidades  em 2004 (a chamada Coalizão da Sociedade Civil Brasileira)
[30] Capítulos 1, 4 e 5 – Relatório citado
[31] Capítulos 2 e 3  – Relatório citado
[32] Europeu, americano, africano, asiático.




[i] O Autor é procurador de justiça aposentado do Ministério Público da Bahia e atualmente membro da Seção Brasil do Defense for Children International – DCI (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente - ANCED).    É graduado em Direito (UFBA). Participou de curso de pós-graduação (sentido lato) na Universidade de Maccerata (Marche – Italia). Estagiou no Centro de Formação para a Proteção Judiciária da Juventude do Ministério da Justiça (Vaucresson – Paris / França). Anteriormente exerceu a Chefia do Ministério Público do Estado da Bahia, como Procurador Geral de Justiça (Governo Waldir Pires) e exerceu mais o cargo de Diretor Geral do Tribunal de Justiça da Bahia e de Secretário Geral do Ministério Público do Estado da Bahia. Inicialmente foi promotor de justiça, defensor público, curador de menores e procurador de justiça no Ministério Público da Bahia. Foi jornalista no jornal A TARDE em Salvador – Bahia. Exerceu as funções de presidente da Associação Baiana do Ministério Público e igualmente as funções de articulador-nacional da Rede Nacional de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a criança e o adolescente e da Rede Nacional de Centros de Defesa da criança e do adolescente (ambas  integrantes do Fórum Nacional DCA),  foi secretário nacional do Fórum DCA,  secretario executivo da ANCED-DCI, coordenador do grupo temático para monitoramento da implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança no Brasil. Foi professor-coordenador do Núcleo de Estudo Direito Insurgente – NUDIM da Fundação Faculdade de Direito da Bahia e primeiro presidente (fundador) do CEDECA-BAHIA - Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan. Foi professor de Direito Internacional Público no Bacharelado em Direito, na Universidade Federal da Bahia – UFBA. Integrou como professor-convidado a banca de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (doutoranda Maria Lúcia Leal – “Mobilização da Sociedade Civil no Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”) e a banca de mestrado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (mestrando José Francisco Razek Filho – “O principio da prioridade absoluta em favor de crianças e adolescentes no orçamento público”).  Foi professor de Direitos Humanos em 02 dos cursos especiais para advogados da ANCED-DCI e de Direitos Humanos Geracionais no curso de pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do curso de pós-graduação (lato-senso) de Direito Constitucional da Criança na Fundação Faculdade de Direito da Bahia, em parceria com o UNICEF (escritório zonal em Salvador). Publicou vários livros da área dos direitos humanos gerais e especiais da infância e adolescência, preferencialmente, como por exemplo, “Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes” (2005. SDH-CEDCA-Ceará), “Agenda Criança 2000” (2001. Fortaleza. Ed. ANCED-UNICEF). Publicou mais especificamente com Maria Lúcia Leal, Maria de Fátima Leal e Otavio Cruz Neto, livro registrando uma pesquisa nacional e sua análise sobre “Tráfico de crianças e adolescentes para fins sexuais” (“PESTRAF-2002”), patrocinada pela OEA (College St. Paul – Chicago/EUA e CECRIA – Brasília/Brasil). Integrou com textos seus algumas coletâneas de ensaios, tais como, por exemplo:  Criança e Adolescente – Direitos, Sexualidade e Reprodução”, organizada por Maria América Ungaretti (2008. ABMP e WCF), “Infância, Direitos e Violência – Castigos Físicos” (2010.Salvador. Ed. CESE / MP-BA), “Direitos sexuais dos adolescentes socioeducandos – visitas íntimas” (Revista Brasileira de Ciências Criminais 81- 2009); “Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes” (1995. BID-CENDHEC. Recife); “Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente” (2006. Revista Serviço Social & Sociedade tomo 83. São Paulo. Ed.Cortez); “Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente” – org. Emílio Garcia et alii. São Paulo. Ed. Malheiros); “Direitos Humanos e Medidas Socioeducativas. Uma abordagem jurídico-social” (2008. Org. Celina Hamoy. Belém. Ed. ANCED); ”A escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção” (2010. Brasília. Ed. CRP – Conselho Federal de Psicologia); “A defesa de crianças e adolescentes vítimas de violências sexuais” (2009. São Paulo. Ed. ANCED); “Justiça Restaurativa” (2009. Org. Vera Leonelli. “Mediação Popular” - Salvador. Ed. JUSPOPULI /  SDH-PR); “Justiça Juvenil” (2007. org. Melisandra Trentin.  São Paulo. Ed. ANCED). Integrou a Comissão de Avaliação do Prêmio Socioeducando 2008 – ILANUD, UNICEF, ANDI e SPDH. Assessorou a Comissão Parlamentar de Inquérito- CPI da Assembléia Legislativa do Ceará sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Representou a ANCED-DCI, junto à REDLAMYC nos encontros ibero-americanos para a infância (Montevidéu-Uruguai e Villarica-Chile) e coordenou o grupo de representação da Coalizão da Sociedade Civil Brasileira na audiência do Comitê dos Direitos da Criança da ONU (Genebra) quando defendeu o relatório alternativo elaborado pela referida coalizão (2004, com os demais membros da delegação brasileira. Foi consultor especial para o UNICEF (Brasil, Angola, Cabo Verde e Paraguai) na Área de Proteção (Direitos). Exerceu a supervisão geral de projetos de formação para a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores e Defensores da Infância e Juventude – ABMP. E coordenou 23 Seminários sobre “Justiça Juvenil” em Projeto da ABMP em parceria com a SPDCA-SDH. Participou como conferencista no III Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças (Rio de Janeiro - 2008), proferindo palestra sobre “Descriminalização e Impunidade – Responsabilização dos Agressores Sexuais”, no Painel 02. E com o mesmo tema participou do I Congresso Brasileiro contra a Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes (Rio de Janeiro – 2008). Participou mais do I Congresso Mundial de Justiça  Juvenil Restaurativa (2009. Lima – Peru) e do I Congresso Brasileiro de Justiça Restaurativa como palestrante (2010. São Luís / Maranhão). Prestou consultoria e foi palestrante (e/ou moderador) em inúmeros eventos do Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual, na preparação original e na revisão do Plano Nacional sobre o mesmo tema. E igualmente para o Fórum Nacional DCA na discussão sobre o Plano Decenal de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente.


 

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